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31/08/2018

Trilha turística de 90 quilômetros abre a Resex Chico Mendes para o turismo de base comunitária

Gestor da Resex Chico Mendes Fernando Maia trabalha na sinalização da trilha. Foto: Victor Moriyama/Funbio
Sinalização da Trilha Chico Mendes: 90 quilômetros de histórias e vivências de luta. Foto: Mayne Moreira/FUNBIO
Fernando Maia participa empolgado da sinalização da trilha turística. Foto: Mayne Moreira/FUNBIO
Primo de Chico Mendes, Raimundão hoje vive e sobrevive do que a floresta oferece. Foto: Bernardo Camara/FUNBIO
Cheio de planos para receber os turistas, Severino da Silva mostra orgulhoso sua produção de mel e seu sistema agroflorestal. Foto: Mayne Moreira/FUNBIO
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“Se você quer um hotel cinco estrelas, você pode ir para Miami ou Brasília”, diz Edmar Ferreira, diante de um horizonte onde só se vê céu e floresta. “No meu hotel você vai ver muito mais que cinco estrelas”.

Não demoraria muito para comprovarmos: o sol alaranjado já mergulhava na copa das árvores, enquanto a conversa seguia à sombra de imensos buritis plantados por Edmar – ou Seu Dimas, como ele é conhecido por ali. À nossa volta, uma ininterrupta orquestra de macacos e araras. E à frente, uma casa de madeira recém-construída flutuava em um lago tingido de pôr do sol. “Construí essa casinha porque minha família aumentou: a minha nova família de visitantes”.

Estamos na Reserva Extrativista Chico Mendes, que há cinco anos é uma das 60 unidades de conservação de uso sustentável apoiadas pelo ARPA. Com seus 970 mil hectares espalhados por sete municípios do Acre, há pouco mais de um ano a Resex abriu oficialmente suas portas para o turismo de base comunitária. Em agosto de 2017, foi inaugurada a Trilha Chico Mendes, uma travessia de aproximadamente cinco dias a pé por dentro da reserva.

Não faltaram mãos para abrir os caminhos. Enquanto os próprios comunitários fizeram a limpeza das trilhas, um time de voluntários adentrou a mata para fazer a sinalização. “Contamos com o apoio do ARPA nesse processo de mobilização da comunidade, que começou a se sentir empoderada. O pessoal está bem consciente do seu papel”, afirma o gestor da Resex pelo ICMBio, Fernando Maia.

Ao longo dos 90 quilômetros de extensão da trilha – que em breve devem se transformar em 300 quilômetros –, a beleza local vira coadjuvante. Afinal, estamos falando de um território onde inúmeras famílias tradicionais de seringueiros viveram e morreram por defender o direito à terra. Encorajados pela voz de lideranças como Chico Mendes, homens, mulheres, idosos e crianças usaram seus próprios corpos para frear o desmatamento que explodiu na região a partir da década de 1970.

Muitos tombaram com as árvores. E tantos outros permanecem de pé, para desfrutar do direito garantido de extrair da floresta seu sustento e modo de vida. “Quando eu corto seringa eu também faço minha terapia andando na mata. É uma felicidade muito grande poder viver em meu lugar”, afirma Dimas.

Imerso na floresta, o turista segue em frente acompanhado por quem mais entende dela. Até chegar à casa do próximo comunitário, o visitante vai aprender como se extrai o látex da seringueira e a época mais propícia para coletar a castanha. Também vai se deparar com árvores gigantes, cujas raízes se espalham por mais de 300 metros. Além de topar com geoglifos – imensas figuras geométricas rasgadas no solo por civilizações que podem ter vivido ali até mil anos antes de Cristo.

É história que não acaba mais. Ao chegar à casa de outro comunitário, os bancos de madeira enfileirados sob a sombra das árvores e os cartazes pendurados com fotos de Chico Mendes mostram que ali não é apenas uma moradia, mas também um lugar de memória e mobilização. Logo aparece um homem que visivelmente já passou dos 70 anos, mas que traz na voz e no corpo uma força impressionante.

É Raimundo Mendes, o Raimundão. Primo de Chico Mendes, lutou com ele há mais de 40 anos pela criação das Reservas Extrativistas na Amazônia. Enquanto oferece aos visitantes um suco de cupuaçu que veio do quintal e um açaí fresquinho extraído naquela manhã, ele fala dos estigmas que os antigos seringueiros vêm tentando superar há décadas. “Antes, a gente não era ninguém. Agora a gente é respeitado como extrativista. Pode vir gente com estudo, com universidade, que a gente vai ser respeitado de igual para igual”, ele garante.

A valorização da história e da identidade dos extrativistas é uma das apostas do turismo na Resex. E se antes os seringueiros se colocavam de prontidão diante das motosserras, nos chamados empates, hoje o interesse turístico por essas populações é como uma nova forma de empate contra o desmatamento.

“Os moradores estão mobilizados, e já sentiram na prática os benefícios da visitação. Em um único dia, tem gente que chega a receber até R$ 700”, afirma Fernando Maia, gestor da Resex pelo ICMBio. “Além de ser uma alternativa de renda, eles passam a se orgulhar de quem são e pensam duas vezes antes de derrubar uma árvore. Começam a enxergar que, naquele contexto, ser extrativista é ser revolucionário”.

Severino da Silva Brito tem plena consciência disso. Acostumado a receber pesquisadores em sua simpática casa de madeira, rodeada por um mar de floresta, ele está ansioso para ver a Trilha Chico Mendes ser expandida por ali. Na varanda, estende no chão orgulhoso um mapa onde estão identificadas as mais de 200 castanheiras espalhadas por seu “quintal”. Mostra também a horta de onde tira boa parte das refeições da família e, de facão na cintura, dá uma aula sobre o Sistema Agroflorestal que implantou.

O cheiro da comida já exala forte enquanto ele fala de um futuro cheio de planos voltados para o turismo. Quer reformar o galpão para acolher os visitantes, reflorestar as margens do açude e já está se articulando com outras famílias para preparar as refeições coletivamente. “Um pode trazer o açaí, o outro a mandioca, um terceiro traz a galinha e assim todo mundo sai ganhando”, diz.

Tudo isso não deve demorar para acontecer: desde que foi inaugurada, a Trilha Chico Mendes tem dado o que falar, e já foi considerada uma das 15 mais interessantes do mundo por uma revista digital especializada. No país vizinho, agências peruanas estão animadas para vender pacotes da travessia. Um empresário europeu almeja fazer uma ultramaratona na Resex. E turistas de vários países já estão entrando em contato para saber como viver esta experiência.

Acreano de berço, o gestor Fernando Maia está feliz da vida com o reconhecimento de uma história que por muito tempo foi desvalorizada no Brasil. Mas os ventos mudaram. “Se antes achavam que o Acre era o fim do mundo, agora a gente está no início: o portal de entrada para o turismo de base comunitária na Amazônia é aqui”, comemora.

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