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Sonho meu
“O momento é de alegria. Muita alegria!”, resume o pescador José Manoel Pereira Rebouças, presidente da Colônia dos Pescadores Z-13, em Copacabana. Há 100 anos existindo – e resistindo – na praia mais famosa do Rio de Janeiro, a associação liderada por José Manoel concluiu de forma inédita um projeto totalmente elaborado, gerido e executado por eles próprios. “Já está marcado na nossa história!”.
José Manoel não está sozinho. No último mês de setembro, o Projeto Educação Ambiental encerrou o ciclo de 12 iniciativas construídas e concretizadas por comunidades pesqueiras. Do município do Rio de Janeiro ao norte fluminense, os projetos representam uma ampla diversidade territorial, de objetivos e de ações. Mas todos carregam uma característica em comum: “É a primeira vez que o dinheiro vai diretamente para a conta dessas organizações, e que eles têm total autonomia para dizer o que precisam e o que querem fazer”, diz Felipe Duval, oceanógrafo e consultor que acompanhou de perto os projetos.
Contratado pelo FUNBIO sob o guarda-chuva do Projeto Educação Ambiental, Felipe integrou um time de 3 consultores que apoiou as comunidades desde a concepção das ideias até a elaboração das propostas. E posteriormente, Felipe também acompanhou a execução das iniciativas. “Foi um processo novo para o FUNBIO – que incluiu uma etapa de mentoria na elaboração de projetos – mas também para as instituições, que receberam um aporte e tiveram que gerenciar os recursos, fazer relatórios e prestação de contas”, diz ele. Mas estas dificuldades iniciais ficaram pequenas diante da empolgação dos pescadores.
Tempo de renovação
Situada em uma das áreas mais nobres do Rio de Janeiro, a Colônia dos Pescadores Z-13 já enfrenta há exatamente um século a pressão do poder público e de setores comerciais para deixar o local. A comunidade conseguiu fincar o pé por meio de uma condicionante que os proíbe de crescer em número de associados e de embarcações. Mas acostumados a driblar ameaças, mais uma vez eles deram a volta por cima: elaboraram o projeto Formação de Jovens para a Pesca a fim de garantir que uma nova geração siga ocupando aquele espaço tradicional.
“Nós estamos envelhecendo e precisamos dos mais novos para continuar nossa história”, diz José Manoel. Além de melhorar a infraestrutura da colônia com a compra de geladeira, freezer, automóvel e bicicleta, o projeto atraiu jovens das comunidades próximas (Cantagalo e Pavão-Pavãozinho) para aprender a arte da pesca. Todos os sábados, por seis meses, 18 meninos e meninas compareceram às atividades de formação com os antigos pescadores e com professores de instituições parceiras – como o Museu Nacional e a Marinha do Brasil.
A movimentação da garotada gerou curiosidade na vizinhança, que passou a olhar com simpatia a iniciativa. No fim das contas, até um hotel 5 estrelas que fica próximo à colônia abriu suas portas para uma cerimônia especial da turma de formandos. Com o diploma numa mão e a rede de pesca na outra, alguns jovens já estão embarcando junto aos mais velhos em sua nova jornada pelos mares.
A cerca de 200 quilômetros dali, em Rio das Ostras, a Colônia de Pescadores Z-22 também sabe o que é disputar um território. Depois de muito tempo enfrentando problemas com a prefeitura, seus associados estavam enfraquecidos e cansados. Mas nunca abandonaram um sonho antigo: ocupar um prédio público desativado que foi construído anos atrás com a promessa de se tornar um entreposto de pesca.
Com a oportunidade do Projeto Educação Ambiental, escreveram o sonho no papel e conseguiram os recursos que faltavam para erguer de vez a cabeça. Com o apoio, se reaproximaram dos órgãos municipais e finalmente conquistaram o consentimento do poder público para transformar aquela antiga edificação na sede permanente da Colônia Z-22. De quebra, aproveitaram o terreno e construíram um estaleiro para finalmente ter um local adequado e de baixo custo para a reforma e manutenção dos barcos da região.
“É um divisor de águas. Não consigo nem descrever em palavras o tamanho da importância desse projeto, a magnitude que ele tem e o impacto que vai causar no dia a dia da nossa comunidade”, afirma Abraão Ney de Souza, que está à frente da colônia há mais de duas décadas.
No município de Arraial do Cabo, próximo àquela região, a ONG Lagos em Ação também usava a casa de seus próprios membros como sede. Reunindo famílias tradicionais da pesca e grupos de jovens, a comunidade chegou a receber licença para desenvolver o trabalho de maricultura no município. Mas sempre eram surpreendidos com roubos de seus apetrechos e cultivos.
Elaboraram um projeto para alugar uma sede e colocar de pé – ou melhor, boiando – uma balsa de manejo com estrutura de segurança e totalmente equipada para a prática da maricultura. A mudança foi rápida: já fecharam convênio com a Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (FIPERJ), tiveram outra iniciativa apoiada na chamada de Maricultura do Projeto Pesquisa Marinha e agora pretendem usar seu espaço de trabalho para o ensino, a educação e o turismo.
“Eles já estão criando organismos, vendendo peixe, está dando tudo certo. Estão de vento em popa”, diz o oceanógrafo e consultor Felipe Duval. E o presidente da Lagos em Ação, Paulo Cordeiro, confirma: “O projeto está transformando não só a nossa comunidade, mas motivando outras famílias a serem também maricultoras”, diz.
São essas e outras experiências de alegria, renovação e sucesso que vão se integrar no próximo mês de novembro durante o seminário de encerramento das iniciativas de fortalecimento institucional e geração de renda do Projeto Educação Ambiental. Vai ter muita partilha e muita celebração. Porque não tem motivo melhor para festejar que a realização de sonhos coletivos: “As comunidades reafirmaram que são donas dos seus próprios sonhos”, diz Duval.
Texto originalmente produzido pelo jornalista Bernardo Camara para a newsletter “Linhas do Mar” para divulgação do Projeto de Apoio à Pesquisa Marinha e Pesqueira, Projeto Educação Ambiental e Projeto Apoio a UCs.