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Precisamos falar sobre o Pampa: a restauração dos campos
A recuperação de paisagens e áreas degradadas é uma das principais linhas de pesquisa apoiadas pelo programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro. A restauração florestal foi tema de um terço das chamadas do FUNBIO nos últimos dois anos, que destinaram cerca de R$ 60 milhões a projetos selecionados. E a restauração não se restringe aos ambientes florestais. E a restauração não se restringe aos ambientes florestais. Ecossistemas como os campos nativos do sul, que abrigam uma rica e exclusiva biodiversidade, têm sofrido com o ritmo acelerado do desmatamento e também precisam de ações de restauração. Em 2018, a pesquisadora Rosângela Rolim recebeu o apoio do Bolsas FUNBIO para entender as melhores estratégias para acelerar a recuperação do Pampa, bioma campestre localizado no Rio Grande do Sul, do lado brasileiro, no Uruguai e em parte da Argentina.
Os campos do Pampa apresentam grande biodiversidade, com mais de 2 mil espécies de plantas, muitas com usos medicinais, alimentícios e ornamentais. Além disso, os campos fazem parte da identidade gaúcha, por meio da prática da pecuária extensiva, feita em harmonia com a conservação campestre.
“Eu tinha um apelo sentimental pelo Pampa porque minha avó morava no interior e eu passava as férias lá, e aprendi a observar estas belezas naturais. Ela viveu da criação de gado em campo nativo”, conta Rosângela, doutora em Botânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que desde 2011 dedica sua pesquisa ao Pampa. Seu doutorado, focado na restauração do bioma, foi concluído no final do ano passado.
O trabalho propôs-se a avaliar quais espécies nativas podem apresentar maior sucesso na restauração da vegetação campestre por três principais meios: levantamento por revisão bibliográfica, de quais espécies nativas ocorrem tanto em ambientes conservados quanto em degradados, pois poderiam ter melhores resultados para a restauração; avaliação da taxa de emergência e estabelecimento de 25 espécies nativas comuns; e um teste de por quanto tempo as sementes destas espécies permanecem viáveis após a coleta.
Rosângela conta que ainda há poucos estudos e experiências de recuperação da vegetação campestre no Rio Grande do Sul. E um dos principais objetivos da pesquisadora era justamente disponibilizar ferramentas que possam ser diretamente aplicáveis para restauração e conservação dos campos remanescentes.
Para isso, ela fez um mapeamento das espécies disponibilizadas comercialmente e testou a germinação de mais de 30 espécies. Um dos gargalos identificados foi justamente o baixo número de espécies nativas do Pampa que são comercializadas, “o que dificulta a restauração, se dependermos do mercado”, aponta a botânica. “A utilização de sementes obtidas diretamente no campo poderia suprir parte desta lacuna”, avalia.
Do lado positivo, a pesquisa constatou que muitas das espécies campestres avaliadas têm uma boa e rápida germinação. Com esses dados, a botânica disponibilizou uma lista com as espécies que melhor poderiam se desenvolver em ambientes degradados, com base em critérios como espécies comuns em campos nativos. “E os testes de germinação foram feitos sem uso de tratamento [como químicos e pesticidas] dos diásporos [frutos e sementes], demonstrando que a restauração pode ser realizada pelos próprios agricultores, sem necessidade de compra de insumos”, destaca Rosângela.
A pesquisa também indicou as espécies que possuem maior afinidade com ambientes conservados e elaborou um guia rápido – ainda a ser publicado – para restauração da vegetação campestre do Pampa, voltado para o licenciamento ambiental. A botânica também sugeriu itens para compor a norma legal de proteção aos campos.
De acordo com dados do MapBiomas, o Pampa perdeu 29,5% da sua cobertura nativa entre 1985 e 2021. Essa perda acentuou-se nas últimas duas décadas com o avanço da agricultura, especialmente a soja, e dos plantios de silvicultura. O levantamento indica que resta cerca de 55% de cobertura nativa – o equivalente a 10,7 milhões de hectares – sendo 33,5% de área campestre.
Entretanto, estes dados, obtidos via imagem de satélite, são míopes, alerta Rosângela. “O mapeamento feito via satélite não consegue diferenciar se aquela área está com vegetação nativa ou exótica. Pode ser um campo com outras espécies de gramíneas exóticas e invasoras, que são muito comuns aqui. O que a gente observa é que desde o ano 2000, o Pampa está sendo convertido em áreas de plantio de espécies anuais, principalmente a soja, que é o plantio mais lucrativo em grande escala para os agricultores”, explica a botânica.
“Se o campo é suprimido para o plantio de monoculturas, são trazidas também sementes de espécies exóticas invasoras e as nativas não têm como competir com elas. Nós precisamos de um manejo para controlar essas exóticas invasoras e plantar mudas, sementes de espécies nativas, para conseguir formar uma vegetação coesa que, depois disso, consegue manter longe as exóticas invasoras. Elas não conseguem mais entrar no sistema. Por isso precisamos de uma restauração ativa para restaurar a vegetação campestre no Pampa”, explica.
Estima-se que restam menos de 20% de campos bem conservados, sendo que a maior parte das áreas remanescentes está espremida entre propriedades rurais e a beira de rodovias. Uma pequena parte está protegida nas poucas unidades de conservação do bioma, que ocupam menos de 3% do total. “O Pampa está sendo dizimado”, alerta.
De olho nesse gargalo, o Projeto Estratégias de Conservação, Restauração e Manejo para a Biodiversidade da Caatinga, Pampa e Pantanal (GEF Terrestre) tem como foco a atuação nos três biomas com menor representatividade no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC): o Pampa com 2,9% de áreas protegidas, o Pantanal 4,6% e a Caatinga 9%. O FUNBIO é o executor financeiro do projeto.
Além de restaurar é necessário impedir o avanço do desmatamento. Para isso, Rosângela acredita que o melhor caminho seja a criação de uma legislação específica, tal qual a Lei da Mata Atlântica, que define regras mais rígidas para a supressão vegetal no bioma e estabelece critérios para a compensação.
“Precisamos de uma legislação específica para o Pampa e um mapeamento dos campos nativos que nós ainda temos no estado, para saber o que a gente ainda tem e, com base nisso, ter critérios de como fazer a restauração em grande escala”, completa Rosângela.