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O mar está para toninhas
Foto: MAQUA/UERJ
Era o primeiro dia de navegação, depois de meses com os trabalhos de campo suspensos por conta da pandemia. Antes das 10h da manhã, apareceram os primeiros bicos nas águas claras da Baía de Ilha Grande, em Paraty, Sul do Rio de Janeiro. A equipe a bordo ficou em êxtase, mas sem acreditar muito no que estava vendo. A cena se repetiu uma vez. Outra. Mais uma. Durante uma hora, pesquisadores registraram de forma inédita uma população de toninhas naquela região.
“Começamos a encontrar vários indícios da presença mais constante da espécie. Fomos juntando esse quebra-cabeça e apostamos em uma expedição de barco para tentar achá-las. Conseguimos! Na sequência, ainda fizemos alguns voos de drone, confirmando a presença delas em dias consecutivos”, contou para o site do G1 o oceanógrafo José Lailson Brito Junior, coordenador de uma das iniciativas apoiadas pelo Projeto de Conservação da Toninha.
Até ali, os cerca de 20 mil indivíduos da espécie já tinham uma distribuição conhecida e reconhecida pela ciência: do Norte do Espírito Santo até a Província de Chubut, na Argentina, há grupos do pequeno cetáceo documentados. Mas especificamente nas águas de Paraty, o que havia eram apenas indícios. E eles não vinham de hoje.
O primeiro sinal de que as toninhas nadavam por ali é de exatamente 20 anos atrás, quando um crânio da Pontoporia blainvillei foi encontrado na região. Depois, alguns animais começaram a aparecer encalhados: um filhote chegou a ser resgatado vivo, mas não resistiu e morreu. Em saídas de campo mais recentes, José Lailson Brito Junior conseguiu avistar de relance o tímido golfinho. Mas não conseguiu registros das rápidas aparições.
O faro dos cientistas dizia que era preciso refinar o olhar para a região. No início de 2020, a equipe da UERJ montou uma força-tarefa decidida a desvendar o mistério: com apoio de pescadores, uso de drones, microfones subaquáticos e viagens embarcados, os pesquisadores foram fechando o cerco no oceano. Em uma das primeiras saídas, um vulto de toninha foi avistado da embarcação. Na dúvida, o hidrofone foi apressadamente colocado debaixo d’água e conseguiu captar, pela primeira vez, a vocalização do animal.
Eles estavam ali. Mas ninguém conseguia vê-los. O áudio indicava que a equipe estava muito perto do seu objetivo. Mas no meio do caminho veio uma pandemia. E todo o trabalho precisou ser suspenso. Foram meses de readaptação e ansiedade. Mas a recompensa do esforço estava guardada. Em 24 de novembro, primeiro dia em que a equipe voltava a campo após um período de isolamento social, as toninhas apareceram. E desta vez, foram incansavelmente registradas em fotos e vídeos.
As imagens comprovam de forma inédita que os golfinhos não estão ali apenas de passagem: existe uma população deles que, de fato, vive na região. E só essa informação já cria possibilidades para novas investigações. “Isso é um achado sensacional. O que vimos antes não eram animais que se dispersaram do grupo de Ubatuba ou que entraram na baía em busca de comida. Isso abre um campo para a gente acreditar que elas podem estar em outros locais”, diz Lailson.
Texto originalmente produzido pelo jornalista Bernardo Camara para a newsletter “Linhas do Mar” para divulgação do Projeto de Apoio à Pesquisa Marinha e Pesqueira e do Projeto Conservação da Toninha.