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O futuro é da toninha
Foto: Divulgação
Eram mais de 40 pesquisadores, de 3 países, representando 20 instituições e 6 projetos – do Rio Grande do Sul ao Espírito Santo. A roda de diálogo foi ampla e diversa. Mas o assunto ali era um só – Pontoporia blainvillei. Realizada no início de junho em Curitiba, a reunião de encerramento do Projeto Conservação da Toninha não deixou dúvidas: tem muita gente olhando pelo futuro do golfinho mais ameaçado do Brasil. E com mais precisão do que nunca.
Não que antes ele fosse um mero desconhecido. Pelo contrário: as pesquisas com a espécie no Brasil remontam a pelo menos 50 anos atrás. Já na década de 1970, a grande quantidade de toninhas que chegavam mortas e encalhadas nas praias do Sul do país levou aos primeiros esforços científicos para se entender o que estava acontecendo em território nacional.
A Universidade Federal do Rio Grande (FURG) foi quem abriu os trabalhos. E o Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos do Rio Grande do Sul (GEMARS) não demorou para ser criado e pegar esta carona. Foram eles, juntos, que na década de 1990 levantaram o primeiro voo para estimar a população de toninhas no estado. Por uma pane, o avião caiu no mar, mas todos sobreviveram. Dali em diante, também continuaram vivos os estudos voltados para aqueles tímidos mamíferos.
Com o trabalho incansável de cientistas, em 2010 o Brasil ganha seu primeiro Plano de Ação Nacional de Conservação de uma espécie – os chamados PANs. E na capa daquele documento inédito, lá estavam elas: “A toninha já era considerada o golfinho mais ameaçado do Atlântico Sul desde essa época. Esse entendimento vinha tanto da pesquisa quanto da gestão”, afirma a bióloga Camila Domit, que coordenou uma das iniciativas do Projeto Conservação da Toninha e liderou a reunião de encerramento.
Àquela altura, já se sabia também que a captura acidental dos indivíduos por redes de pesca era a principal ameaça à Pontoporia blainvillei. Mas ainda havia muitas lacunas de dados e informações a serem preenchidas sobre o assunto. “Nacionalmente já existia uma discussão grande, mas os esforços de pesquisa ainda eram muito concentrados no Rio Grande do Sul e pontuais ao longo de sua distribuição na costa brasileira”, explica Camila.
Em 2015, uma nova página – ou melhor, muitas novas páginas dessa história começam a ser escritas, quando o Projeto Conservação da Toninha vem à tona. Pela primeira vez no Brasil, uma grande integração de instituições científicas, comunidades pesqueiras e gestores públicos volta seus olhos simultaneamente para toda a área de distribuição da espécie no país. Nascia ali o maior esforço coordenado já feito sobre o golfinho. “Uma grande rede em prol da toninha”, resume a bióloga.
Força motriz
“O projeto catalisou iniciativas que estavam mais soltas, individualizadas. Mobilizou pessoas, fortaleceu uma rede de pesquisadores que já existia mas que se encontrava eventualmente. Aproximou a ciência das comunidades pesqueiras – avançamos anos luz na gestão participativa. E integrou inclusive pesquisadores de outras áreas – da antropologia, da economia, da estatística, da comunicação”, lista Camila. “Foi uma grande força motriz”.
Os resultados desse impulso ainda estão sendo sistematizados, mas já podem ser vistos de muitos ângulos. Literalmente: de podcast a documentário, de páginas nas redes sociais a um museu virtual totalmente dedicado à espécie, o que não faltam hoje são registros vivos e inéditos de um animal que os cientistas acostumaram-se por décadas a documentar já mortos. E a chuva de dados que vem desaguando sobre o golfinho chega em boa hora.
Um dia após o encontro de encerramento do Projeto Conservação da Toninha, em Curitiba, a turma de pesquisadores esticou a estadia para participar de uma reunião puxada pela Comissão Internacional da Baleia (CIB). Com a presença de cientistas uruguaios e argentinos – países onde a Pontoporia blainvillei também ocorre – e com informações fresquinhas daqui, foi possível discutir as ações prioritárias para atualização do Conservation Management Plan, o documento internacional que traz orientações aos governos signatários – como o Brasil – na gestão e manejo da espécie.
Por aqui, os avanços também vão contribuir para a avaliação do Plano Nacional de Ação de Conservação da Toninha (PAN), que acontece a cada dois anos. A reunião será organizada nas próximas semanas, e também deve contar com a presença dos pesquisadores e instituições que estavam no encontro de Curitiba.
Os diálogos sobre o futuro da toninha, portanto, seguem sem hora para acabar. Assim como o desafio de manter o golfinho na crista da onda. “Não salvamos a espécie, mas mobilizamos uma rede muito maior para manter os olhos nela. Hoje as pessoas olham e já sabem mais sobre as toninhas. Quanto mais gente envolvida, quanto mais pessoas falarem dela, maiores são as chances de ela continuar viva no mar”, diz Camila Domit. “Consolidar o que se construiu até aqui – é o que fica para o próximo passo”.