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O filho-irmão da Cazumbá-Iracema
Não deve ser por acaso que Tiago Juruá carrega a Amazônia no sobrenome. Nascido no Acre – que é banhado pelo rio Juruá – Tiago já mudou de estado e de país, mas voltou a fincar raízes por ali. E é raiz forte: dos seus 38 anos de vida, ele está prestes a completar uma década de dedicação à Reserva Extrativista Cazumbá-Iracema, onde é o atual gestor pelo ICMBio. Quando o assunto é a Resex, Tiago dispensa a terceira pessoa. “Falo em nós, pois me sinto parte da comunidade”, diz.
A chancela é reforçada por Nenzinho, uma das mais antigas lideranças comunitárias da unidade. “Tem hora que não sei se considero o Tiago como filho ou irmão”, fica em dúvida. A parceria dos dois começou a florescer assim que o servidor do ICMBio pisou na Cazumbá-Iracema, em 2009. Com apenas um mês de casa, ele já colou em Nenzinho e rodou os mais de 750 mil hectares da reserva para se apresentar às comunidades e saber mais sobre as 350 famílias que vivem no território.
“A grande liderança é aquela que sabe ouvir”, afirma Nenzinho, do alto de suas mais de três décadas de experiência na luta dos extrativistas. “Todas as pessoas têm saber e conhecimento, e o Tiago valoriza e respeita isso: ele ouve muito, o que municia a gestão participativa e abre espaço para novas lideranças”.
Filho de uma mãe historiadora e de um pai paleontólogo que já recebeu até o título de Cidadão Acreano por suas pesquisas no estado, o gestor da Cazumbá-Iracema nasceu justamente durante o mestrado que seu progenitor fazia com fósseis no rio Juruá – daí seu sobrenome. Levado pela veia acadêmica da família, se formou nas faculdades de Biologia e Direito, e aposta na educação como uma bomba de ar que pode inflar os potenciais da comunidade.
Não é à toa, portanto, que a Resex foi a pioneira no Brasil a oferecer os cursos técnicos do Pronatec, um programa do governo federal. Após a experiência, o programa se reinventou e criou cursos profissionalizantes específicos para o extrativismo. As aulas botaram na mesma sala avôs, pais e filhos, numa rica troca de saberes tradicionais e modernos.
Avôs, pais e filhos também estão nas cadeiras das 18 escolas que funcionam na reserva – sendo quatro de ensino médio. “Muitas famílias saíam da Resex para viabilizar a educação de seus filhos. Avançamos bastante nisso”, diz Tiago. Hoje já tem jovem se formando na universidade e voltando para a Resex, num caminho inverso ao de antigamente. E a maioria dos professores das escolas é da própria comunidade. “A educação liberta, dá oportunidades”, afirma o servidor do ICMBio.
Na Cazumbá-Iracema, isso pode ser visto a olhos nus. Nos últimos anos, só cresce o número de pesquisadores e voluntários que se entocam na reserva para conhecer e estudar o monitoramento da biodiversidade que os comunitários fazem, seu artesanato à base de látex ou suas cadeias produtivas do açaí, da castanha e da copaíba. “Isso influencia a comunidade a entender a grande importância que temos”, diz Nenzinho, satisfeito.
Uma das primeiras unidades de conservação apoiadas pelo ARPA, a Resex Cazumbá-Iracema já foi considerada pelo Tribunal de Contas da União uma das dez unidades com maior grau de implementação no país. Numa Resex, isso só é possível quando existe gestão participativa. E essa é a bandeira que Tiago balança onde vai.
“É importante capacitar novas lideranças para que elas assumam o papel de protagonistas”, defende Tiago, que ano passado foi eleito para participar da Comissão de Gestores do ARPA. “A gente tem que caminhar para a gestão do território feita pelas próprias comunidades”, completa. Para Nenzinho, isso já é realidade: “A gestão participativa da Cazumbá-Iracema eu não conheço igual em nenhum outro lugar”, diz orgulhoso.