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Morrendo na areia do rio: como as mudanças climáticas afetam as plantas aquáticas na Amazônia
Por Ana Luísa Fares Biondi Lima, bolsista contemplada em 2022 pelo Programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro
Você já parou para pensar nos efeitos das mudanças climáticas que vão além do aumento da temperatura e das emissões de gás carbônico? Já refletiu sobre como eles impactam até mesmo os pequenos riachos onde você costumava se banhar na infância ou que existe próximo de casa?
Nas últimas décadas, as mudanças climáticas têm causado grandes oscilações no clima global, principalmente devido à intensificação de eventos extremos, como o El Niño (“o menino”) e a La Niña (“a menina”). O El Niño chega quando as águas do oceano Pacífico ficam mais quentes, provocando secas severas nas Américas. Já a La Niña aparece com o resfriamento dessas mesmas águas, resultando em inundações incomuns. A Amazônia já enfrentou várias situações extremas devido a esses fenômenos, como a grande seca de 2005 e 2010, e recordes sucessivos de altas temperaturas, como as registradas em 2023.
Esses eventos, combinados com ações humanas como as queimadas e a conversão de florestas em pastagens e áreas agrícolas, levaram à degradação de rios e lagos, diminuindo as áreas inundadas e os riachos (na Amazônia, conhecidos como igarapés). As consequências são sérias: comprometem o transporte, o abastecimento de água, a provisão de alimentos (por exemplo, peixes e mariscos), a geração de energia, e até o lazer na região. Além disso, afeta processos ecológicos em escala global, como a regulação do clima e a perda de biodiversidade nesses ambientes. Um grupo de organismos desempenha um papel vital na manutenção dos ecossistemas aquáticos e da biodiversidade: as plantas aquáticas, também chamadas de macrófitas. Um exemplo é a vitória-régia, a maior e mais forte planta flutuante do mundo e símbolo da região amazônica
O Papel crucial das plantas aquáticas
As macrófitas são fundamentais para os ecossistemas aquáticos e spara a biodiversidade associada a esses ambientes. Elas atuam, junto com as algas, como produtoras primárias, participando da produção de energia nos ecossistemas por meio da fotossíntese. Além disso, desempenham um papel importante em diversos ciclos de nutrientes – carbono, o nitrogênio e o fósforo – e ajudam a estabilizar leitos de rios e canais com suas raízes. Essas plantas também servem como refúgio, berçário e habitat para muitos organismos, a exemplo de peixes, insetos aquáticos, moluscos e comunidades planctônicas (pequenos invertebrados e organismos invisíveis a olho nu).
Na Amazônia, as macrófitas formam grandes bancos chamados matupás, que podem ser fixos ou flutuantes, e são vitais para a estabilização das margens dos rios e para a navegação das comunidades ribeirinhas. Assim, as macrófitas desempenham um papel crucial na preservação dos ecossistemas aquáticos da Amazônia e têm importância econômica, social e cultural.
No entanto, sua diversidade está ameaçada pelas mudanças climáticas, que alteram os regimes hidrológicos e afetam diretamente a sua presença nos ambientes aquáticos. Isto porque essas plantas são mais vulneráveis às variações no ambiente, especialmente à falta de água, na medida que possuem estruturas físicas específicas que as permitem viver em ambientes alagados, ao contrário das plantas terrestres. Por isso, as macrófitas são eficientes indicadoras da qualidade ecológica e ambiental dos ecossistemas aquáticos. Elas também são modelos interessantes para entender os efeitos do estresse hídrico, causado pelas mudanças climáticas, sobre os organismos.
Mudanças climáticas e estresse hídrico
O aumento da temperatura global, causado pelas mudanças climáticas, vem alterando os padrões de precipitação (chuvas) em diversas partes do mundo. Na Amazônia, esse aquecimento global resultou em uma redução de 44% na precipitação anual, além de um aumento de 69% na duração da estação seca (Bottino et al., 2024). Esses efeitos impactam profundamente a dinâmica da floresta, causando um aumento na mortalidade das árvores e antecipando a floração e frutificação, o que afeta diretamente os animais polinizadores que dependem dessas flores para sobreviver.
No ambiente aquático, essas mudanças provocam grandes transformações nos habitats e, consequentemente, nas comunidades de organismos que vivem ali. Por exemplo, áreas com menos água podem oferecer menos abrigos para insetos aquáticos e peixes, enquanto locais com menor correnteza podem excluir espécies de peixes adaptadas a essas condições. No caso das plantas, a secagem completa de um lago ou igarapé leva à perda de muitas espécies, especialmente aquelas que dependem totalmente da água para se sustentar e se manter, como as macrófitas submersas e as de folhas flutuantes (parentes da vitória-régia), que morrem rapidamente quando o ambiente começa a secar.
Consequências ecológicas e econômicas
A boa notícia é que algumas macrófitas conseguem, por meio de adaptações fisiológicas e morfológicas, sobreviver e se desenvolver em ambientes com escassez de água. Por exemplo, algumas espécies conseguem ajustar seu funcionamento interno para continuar crescendo mesmo em condições de déficit hídrico, enquanto outras adotam uma estratégia de “escapar” da seca, antecipando a produção de frutos e sementes. No entanto, ainda não sabemos se essas plantas seriam capazes de suportar uma seca prolongada (como de mais de um ano), ou se as sementes produzidas em condições de estresse hídrico resultariam em plantas saudáveis.
Um declínio na biodiversidade dessas plantas pode afetar outras espécies que dependem delas em algum estágio de vida, causando uma cascata de impactos ecológicos. Isso inclui o declínio das populações de peixes e pequenos invertebrados e o aumento descontrolado de algas, o que pode levar a um desequilíbrio nos ecossistemas.
Por fim, tais impactos podem alterar a morfologia dos ambientes aquáticos, tornando-os, por exemplo, inavegáveis, além de comprometer a oferta de alimento e habitat para espécies de interesse econômico, como grandes peixes e moluscos.
Para não concluir…
A crise climática está causando diversos impactos na biodiversidade global, com consequências visíveis para a humanidade. No entanto, alguns grupos de organismos são frequentemente negligenciados, como as comunidades aquáticas, e, em particular, as macrófitas. Apesar de desempenharem um papel crucial na estruturação e no funcionamento dos ecossistemas aquáticos, essas plantas não recebem tanta atenção quanto as terrestres, como as árvores. Assim, podemos dizer que as plantas aquáticas são “indicadores silenciosos” das mudanças climáticas e, por isso, precisamos aprender a ler os seus sinais, dar-lhes voz e seu merecido destaque nas discussões ambientais.
Por fim, é essencial destacar a importância de incluir a proteção das áreas úmidas nos planos de manejo e de implementar políticas de conservação que foquem nos ecossistemas aquáticos. Essas políticas devem ir além da avaliação da qualidade físico-química dos ambientes e considerar também a qualidade ecológica necessária para sustentar uma comunidade diversa de organismos. Dessa forma, será possível garantir uma preservação mais equilibrada dos diversos ecossistemas da Amazônia, sem priorizar os ambientes terrestres em detrimento dos aquáticos.
* Ana Luísa Fares Biondi Lima é Doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e bolsista do Programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro, do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade. Este artigo de opinião surgiu após o Encontro de Bolsistas, no Pará, e foi publicado no site do Amazônia Vox, banco de fontes de conhecimento e de profissionais de comunicação de toda a Amazônia Legal.