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Indígenas visitam viveiro florestal e trocam experiências sobre restauração na Caatinga
O viveiro florestal Caatinga Sempre Viva, idealizado pelo projeto Elos da Caatinga, vem inspirando, multiplicando saberes locais e fortalecendo a cadeia da restauração ecológica no Monumento Natural (MONA) Grota do Angico (SE) e na região do baixo São Francisco.
Em novembro, alunos e lideranças indígenas da etnia Xocó-Kuará vivenciaram na prática e trocaram experiências sobre os processos de produção de mudas de plantas nativas, frutíferas e sementes da Caatinga. Os visitantes tiveram a oportunidade de conhecer todo o processo, da semente, no início da produção da muda, ao plantio em solo.
A etnia indígena Xocó-Kuará é a última remanescente em Sergipe. A Terra Indígena (TI) Caiçara/Ilha de São Pedro, em Porto da Folha (SE), tem 5 mil hectares.
“Aprendi muita coisa. Aprendi como plantar a semente da catingueira, da moringa. A gente conheceu a mata que tinha lá. Vi que tinha planta lá que também existia na Caiçara, planta que a gente usa para a dança do Toré”, diz a indígena Maria Gedalva Faustino Santos, a Dona Gedalva, que conhece plantas medicinais e é merendeira na escola da aldeia na Ilha de São Pedro, na TI.
A visita aconteceu graças ao intercâmbio entre o Elos da Caatinga e o projeto Reflorestando Caiçara, implementado pelo Pangea – Centro de Estudos Socioambientais, que atua em Porto da Folha (SE).
Thiago Vieira, engenheiro florestal e coordenador do Reflorestando Caiçara, conta que viu a oportunidade de aproximar a comunidade indígena do viveiro florestal para estimular a retomada do que existia na escola da aldeia, resgatar o valor da cultura tradicional da cura e restaurar áreas degradadas:
“Há séculos, a área foi degradada pelo pasto e gado. A população indígena sempre cuidou da mata e tem agora a possibilidade de melhorar ainda mais as potencialidades medicinais e gastronômicas com espécies que podem ser plantadas lá”, diz ele.
Os Xocó-Kuará pretendem finalizar a construção do viveiro no primeiro trimestre de 2023. A ideia é capacitar pessoas localmente e produzir mudas. “Antigamente, no viveiro da escola, tinha até umbuzeiro. Tem dois anos que acabou. Mas a gente vai recomeçar o viveiro para fazer muda de catingueira, coco-babão (catolé), moringa ou cabeça-de-frade”, relata Dona Gedalva.
“Tem uma farmácia viva sobre ervas medicinais na comunidade indígena. Todo o conhecimento passa pela escola. Eles querem ensinar as pessoas que não sabem trabalhar com ervas e, assim, fazer a fusão entre o conhecimento indígena e a ciência”, diz Vieira.
A troca de experiência entre os projetos foi importantíssima na avaliação de Émerson Daltro, biólogo e coordenador do Elos da Caatinga pelo Instituto de Desenvolvimento Vale do Cotinguiba (IDESA-Brasil). “O objetivo principal sempre foi a conservação do bioma. Queremos fortalecer a cadeia florestal pela produção de mudas, incluindo os saberes das comunidades e gerar renda para os moradores. Falar do valor da árvore em pé e envolver outros projetos na região e no MONA. A ação não é pontual, mas conjunta”, destaca.
“Projetos como esses deixam legados sociais. De nada adianta plantar muda e virar árvore se não entendermos que é preciso trazer o povo para conservar. Só assim dá certo”, acrescenta Vieira.
Na visita da comunidade indígena, foi abordada a geração de renda por meio da produção de mudas nativas para a restauração de áreas degradadas. “Quem mora nas comunidades perto daqui – sobretudo os jovens – tem se identificado com a possibilidade de ter uma melhor condição de vida”, diz a responsável pelo viveiro florestal Caatinga Sempre Viva, Brena Nazaré. Ela e o marido cuidam da limpeza do viveiro, plantio e manutenção de cerca de 500 mudas de diferentes espécies.
De família ribeirinha, Brena guarda a memória afetiva do pai, Seu Didi, plantando mudas em casa quando era criança. Aprendeu com ele a fazer mudas e tomou gosto pela mata. “Sempre vivi na região. Acompanhei a degradação com o passar dos anos. Quando descobri que o projeto falava em mudas nativas, sobre aprender a plantar, vi que era um caminho”, diz.
Era meta do Elos da Caatinga a construção do viveiro florestal, que ganhou o nome de Caatinga Sempre Viva em um concurso virtual. O projeto também promove capacitações sobre temas relacionados à restauração de áreas degradadas. O convite às capacitações mobiliza as comunidades locais para atuarem no viveiro e multiplicarem saberes. “Temos conseguido falar nas capacitações sobre transformação social. Fico contente em perceber que o projeto está conseguindo formar profissionais”, diz Daltro.
Foi isso o que aconteceu com Brena, uma das participantes. “Sonho com meus sobrinhos crescendo e vendo o que vi quando pequena. A recuperação da mata é para a vida toda”.