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Grandes ideias, grandes negócios
Incansável, Cleusa se tornou uma articuladora nata entre as mulheres em Arraial do Cabo. Foto: Arquivo pessoal
Marcar entrevista com a pescadora e marisqueira Cleusa dos Remédios Rocha não é tarefa fácil. “Parece brincadeira”, ela diz rindo, enquanto desfia um calendário preenchidíssimo de reuniões, encontros, mobilizações e tarefas. “Pode ser no mês que vem, menino? Eu vou falar uma coisa para você, e não é arrogância não: a Globo está há semanas atrás de mim querendo filmar nossa cooperativa e eu não consigo tempo rapaz. Como é que eu vou parar o dia todo?”, diz, sem esconder o orgulho e o motivo da agenda cheia: “Reestruturamos nossa sede, compramos maquinários e nossa produção está de vento em popa”.
Nascida e criada com os pés na areia, Cleusa é uma liderança nata da Cooperativa de Mulheres Pescadoras, Aquicultoras e Artesãs da Prainha (MUPAAP) – Salga, Sol e Arte. Filha e neta de pescadores artesanais, ela também passa para seus próprios filhos e netos a arte de tirar o sustento da praia. Mais especificamente da Prainha, uma comunidade que faz parte da Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo, e que é historicamente negligenciada pelo poder público.
“Nossa comunidade fica na entrada da cidade, mas ninguém dá muita importância. Somos remanescentes de quilombolas, é um bairro com muitos negros. Tudo isso aqui fica esquecido”, diz. “Mas justamente por passarmos necessidade, sempre nos viramos para conseguir as coisas”.
Desde pequena, Cleusa se equilibrava nas pedras com a mãe para catar marisco e depois vender na praia. Camarões e peixes fritos também garantiam a renda da família, assim como o artesanato feito com elementos da natureza e outras atividades ligadas ao turismo.
Com tanta experiência, a marisqueira ganhou tino para os negócios. E foi seguindo suas inquietações que resolveu bater de porta em porta das companheiras para criar algo coletivamente. Foi daí que nasceu a cooperativa, que está chegando à sua primeira década de existência e é formada por 70% de mulheres e 30% de homens. “Não somos radicais, precisamos deles para algumas coisas também”, brinca.
Novo ciclo
Alguns apoios pontuais e a chegada dos Programas de Educação Ambiental (PEAs) à região foram, aos poucos, dando mais corpo à cooperativa. O grupo, porém, ainda não havia conseguido estruturar um dos pilares de seu trabalho: a cozinha. Mas com a iniciativa apoiada pelo Projeto Educação Ambiental, gerenciado pelo FUNBIO, este momento chegou.
“Antes disso nós estávamos a meia perna, trabalhando com poucas quantidades de peixe e marisco, vendendo apenas para os quiosques. O projeto deu uma alavancada enorme. Agora temos uma unidade de beneficiamento, podemos lidar com quantidade, trabalhar com gastronomia”, comemora Cleusa, que emprestou o próprio quintal de casa para abrigar os equipamentos de uso coletivo. “Nossos produtos além de serem frescos agora chegam ao mercado com valor agregado”.
Mas o pescado não é o único motor de mobilização das mulheres da Prainha. Além de oficinas de artesanato para a confecção de biojoias, a comunidade está fazendo um resgate mais extenso de outras práticas culturais que sempre estiveram presentes por ali. “Somos do mar, mas somos também da batucada”, avisa Cleusa.
Recentemente, elas inauguraram em um parque público da cidade suas Tardes com Arte: todo sábado tem roda de jongo e ensaios de uma escola de samba criada e composta apenas pelas moças – a Mulheres do Samba e Mar. Enquanto as saias rodam e a bateria ecoa, uma tenda de gastronomia garante as delícias do mar feitas pelas mesmas mãos que tocam os tambores. “Estamos juntando a fome com a vontade de comer. As tardes culturais vão dar movimento à prainha, resgatar uma parte importante da nossa história e ainda serão uma oportunidade para que as pessoas conheçam nossos produtos”, explica Cleusa. “Tem que ter estratégia de venda, né?”
E disso ela entende bem. Sem barreiras nos desejos, a pescadora e marisqueira sonha alto para a cooperativa que ela semeia e rega com suas companheiras no fundo do quintal. “Queremos alcançar novos mercados, vender nossos produtos para o estado, para o município, chegar à merenda escolar. Queremos fazer de Arraial do Cabo um polo da pesca. A titia aqui tem grandes ideias, e queremos grandes negócios”, diz às gargalhadas.
Enquanto espalha sonhos por toda a comunidade, Cleusa vai traçando as rotas para que eles virem realidade. “Dentro da cooperativa eu sou a agulha, que vai abrindo os caminhos. E as meninas são a linha, que vêm reforçando e fazendo juntas uma bela costura”.