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Edificar para construir
Quando Evandra Vilacoert recebeu, por telefone, o convite para ser gestora do Parque Estadual da Serra dos Martírios/Andorinhas, no Pará, ela estava no meio do fogo cruzado. Literalmente. Era agosto de 2017 e Evandra liderava uma operação de combate a incêndio na própria unidade de conservação. A força-tarefa duraria 72 dias, entre montes e desmontes de acampamento e mediação de conflitos. “Entrei em pânico com a notícia”, confessa.
Embora atuasse há dois anos como braço direito do então gestor da unidade, a ideia de ficar à frente de tanta gente diversa lhe deu um frio na barriga. Afinal, a região administrativa abarcava nada menos do que dois biomas (Amazônia e Cerrado), duas vilas de pescadores, três comunidades de extrativistas, um Parque e uma APA que leva o nome do município: São Geraldo do Araguaia. Tudo sob a responsabilidade da mesma equipe do Ideflor-bio, o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará.
Do outro lado da linha, o Diretor de Gestão e Monitoramento de Unidades de Conservação do Ideflor-Bio, Wendell Andrade, não tinha dúvidas de que ela faria um bom trabalho. “Eu sabia que ela teria sensibilidade e compromisso para dar continuidade às boas práticas já em curso na unidade, sem perder a pegada e o estilo próprio dela de gerir”, conta.
Mão na massa
Primogênita em uma família de cinco irmãos, Evandra nasceu e foi criada em Belém. Decidiu que seria engenheira civil aos 13, e levou a cabo a promessa. Trabalhou na área por sete anos, até ingressar por concurso, em 2009, na Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA). Passou pelas repartições de licenciamento e infraestrutura, mas sem brilho nos olhos. Sentia falta de tirar ideias do papel e colocar a mão na massa, um hábito da profissão.
Inspirada por um amigo que trabalhava com gestão de UCs, pediu transferência para a então Diretoria de Áreas Protegidas (DIAP). “Fui lotada em um departamento focado na criação de Unidades de Conservação. E vi que era com isso que eu queria trabalhar”, relembra. Em 2015, aceitou o desafio de integrar a equipe do Parque como técnica. Em 2018, gestora, não se imagina fazendo outra coisa da vida.
Assim que encontrou seu novo habitat, Evandra conta, deu-se início um processo de metamorfose: de engenheira civil para o que ela chama de multiprofissional. “Trabalhar com gestão de Unidades de Conservação é estar constantemente estudando um pouco de tudo. Afinal, não existe uma formação que te prepare para conversar com agrônomos, agentes florestais e biólogos, ao mesmo tempo em que precisa tomar decisões que impactam a realidade socioeconômica, biótica e cultural de um local”, explica.
Prevista para este ano, a revisão do plano de manejo do Parque Estadual da Serra dos Martírios/ Andorinhas (PESAM para os íntimos) dá início a uma revolução interna que vai abrir suas portas para o mundo. Dotada de impressionante riqueza natural, cultural e histórica, a UC detém cerca de 300 cavidades geológicas, como cavernas e grutas. “Finalmente teremos um estudo espeleológico, pois há muitas cavernas que são frágeis e nem estão cadastradas. Vamos aproveitar e ainda fazer um estudo sobre morcegos”, a gestora comemora.
Como um “museu de grandes novidades”, o Parque conta ainda com pinturas rupestres, sítios arqueológicos indígenas e a memória do reduto da Guerrilha do Araguaia, movimento armado contra a Ditadura Militar ocorrido entre 1967 e 1974. “Muitos moradores testemunharam os horrores do conflito. Fizemos questão de que os monitores de trilha fossem capacitados para fornecer informações aos turistas”, diz.
Criando pontes
Os quase 250 km² de biodiversidade do Parque atraem cientistas de várias frentes – de monitores do gavião-real, uma das maiores aves de rapina do planeta, a entomologistas em busca de insetos raros. No início de 2018, por exemplo, foi divulgada a identificação de uma espécie do grupo Plecóptera, associada à boa qualidade da água, o Anacroneuria singularis.
Neste contexto, Evandra coloca suas habilidades de engenheira na mesa. Se no passado sua especialidade eram os muros de arrimo, no PESAM, são as pontes. Não as de concreto, e sim as que conectam povos. “O pesquisador vem, faz seu estudo, vai embora. E a comunidade, o que ganha?”, provoca.
Por isso, em conjunto com a amiga e conselheira do Parque, Cristiane Cunha, realizou a 1ª Mostra de Pesquisa, Ensino e Extensão da unidade. O evento apresentou, aos povos tradicionais da região, o resultado dos estudos científicos desenvolvidos no PESAM entre 2015 e 2017. Teve banners, roda de conversa e palestras de estudantes envolvidos. Foi um sucesso. “Agora, o pesquisador que nos visita é orientado a oferecer uma contrapartida para os moradores, como uma oficina, por exemplo”, diz. Para Evandra, esse é o maior aprendizado que a gestão lhe proporcionou até agora: “Pesquisa, comunidade e conservação estão integrados: não acontecem de forma isolada”.