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Do mar ao prato
Com suas águas cristalinas, Arraial do Cabo tornou-se um destino turístico certo na Região dos Lagos, no Rio de Janeiro. Nas últimas décadas, pousadas e restaurantes tomaram as orlas da cidade para receber os visitantes. Porém, nem todo mundo saiu ganhando: há séculos presentes nas praias de Arraial, os pescadores nunca foram devidamente valorizados pelo turismo local. Mas aos poucos isso começa a mudar. A partir do próximo verão, pela primeira vez na história, a Associação de Pescadores de Arraial do Cabo (APAC) terá seu próprio quiosque na beira da Praia Grande – uma das mais movimentadas da região.
“Temos cerca de 150 pratos de pescado. Vamos colocar em prática pelo menos 20, e por um preço acessível”, avisa o pescador Raimundo Nonato, que atua na iniciativa Lula do Cabo: do mar ao prato, que recebe apoio do projeto Educação Ambiental, gerenciado pelo FUNBIO.
Um dos fundadores da APAC, Raimundinho – como é conhecido – está feliz da vida com a novidade. Afinal, inaugurar um empreendimento de pescadores em meio a um turbilhão de negócios turísticos liderados por empresários é mais do que significativo: “É um símbolo da nossa resistência”, diz.
O quiosque já está em construção e sua inauguração está prevista para o final de outubro. Ele ficará anexo à sede da organização – no canto esquerdo da Praia Grande. “Fundamos a APAC em 1987, mas já faz pelo menos 300 anos que aquela área pertence a nós pescadores. É uma área tradicional”, ele faz questão de ressaltar aos desavisados.
E já que a intenção é fortalecer o setor da pesca artesanal como um todo, nada mais justo que agregar outros grupos que não pertencem à APAC, mas que também fazem parte dessa história de resistência. “Queremos apresentar os salgadinhos e pratos produzidos pela cooperativa das mulheres de Arraial, que são nossas parceiras. A intenção é juntar todo mundo”, diz Raimundinho, referindo-se à Cooperativa de Mulheres Produtoras da Pesca Artesanal e de Plantas Nativas da Região dos Lagos, que também recebe apoio do Projeto Educação Ambiental
Autonomia e preço justo
Por si só, o quiosque já é um grande acontecimento para os pescadores artesanais de Arraial do Cabo. Mas não para por aí. A iniciativa Lula do Cabo também possibilitou a compra de um bugre e de uma câmara fria com capacidade de armazenar cerca de cinco toneladas de pescado, possibilitando a inauguração do primeiro ponto de venda de peixes gerido por uma associação de pescadores em Arraial.
Sem a câmara fria, tudo o que chegava do mar precisava ser vendido imediatamente, para não estragar. E assim os pescadores sempre acabavam reféns dos atravessadores, recebendo valores muito abaixo do mercado. Agora, este cenário finalmente deve virar. “Com o frigorífico, eles terão um estoque pesqueiro, poderão comercializar numa janela de tempo mais longa e para uma variedade de compradores. Isso lhes dará uma maior sustentabilidade financeira”, diz Paula de Abreu Moraes, consultora da APAC.
Toda essa emancipação já é celebrada e promete ganhar ainda mais força no próximo verão, quando se inicia a temporada da lula – o principal recurso pesqueiro da região, que dá nome ao projeto da APAC. Em seu período de abundância, é ela que sustenta milhares de famílias em Arraial. E daqui para frente, Raimundinho acredita que os ventos serão ainda melhores.
“Com o projeto Lula do Cabo um sonho nosso antigo está sendo realizado: vamos conseguir finalmente sair da mão dos atravessadores”, diz ele, confiante no futuro. “Hoje eu sinto muita esperança: estamos dando um passo gigantesco em nossa vida”.
Texto originalmente produzido pelo jornalista Bernardo Camara para a newsletter “Linhas do Mar” para divulgação do Projeto de Apoio à Pesquisa Marinha e Pesqueira, Projeto Educação Ambiental e Projeto Apoio a UCs.