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De olho nas toninhas
Às 7h da manhã os pesquisadores já estão com o pé na areia. Entram na caminhonete e, até o sol se pôr, rodam cerca de 350 quilômetros com os olhos grudados no vidro. A cada sinal de Toninhas mortas na beira da praia, eles param, pegam a prancheta e anotam tudo o que podem sobre o indivíduo. Da fronteira do Uruguai até a Lagoa dos Patos, foram encontradas mais de 300 Toninhas sem vida entre fevereiro de 2018 e maio de 2019.
Se comparado com os últimos cinco anos, o número indica que a taxa de mortalidade da espécie segue estável naquela região. Mas estabilidade, neste caso, não significa boa notícia. “São taxas elevadas. A situação é preocupante para a manutenção da população que ocorre no Rio Grande do Sul”, avisa a bióloga Danielle Monteiro, da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
Danielle é coordenadora executiva do projeto Avaliação da eficiência da IN 12/2012 e proposta de manejo pesqueiro integrado para a conservação da toninha e seu ecossistema no Rio Grande do Sul, que tem apoio do Projeto Conservação da Toninha. Segundo ela, o monitoramento que é feito a cada 15 dias pelas areias gaúchas é como um farol que ajuda a enxergar como vão as Toninhas debaixo d’água. “A praia para nós é um reflexo do que está acontecendo no mar”.
Não é de hoje que pesquisadores da região percorrem as areias para estudar os animais marinhos encontrados mortos na beira-mar. O monitoramento começou ainda na década de 1970, quando a FURG passou a abrigar um laboratório voltado para estudos com tartarugas e mamíferos marinhos – e que hoje se tornou o Laboratório de Ecologia e Conservação da Megafauna Marinha (Ecomega), onde trabalha Danielle. Naquela época, quase nada se sabia sobre a biodiversidade que habitava as águas locais. Foi o trabalho por terra firme que consolidou a base desse conhecimento.
Também foi da praia que vieram os primeiros alertas de que as Toninhas estavam em perigo. Se nos anos 1970 era uma raridade se deparar com corpos de golfinhos encalhados, na década de 1990 o número de registros disparou: sinal de que alguma mudança profunda estava se passando no mar. “A pesca de emalhe, que era quase exclusivamente artesanal, começou a se tornar industrial, com redes muito maiores”, explica Danielle.
Diante dos números preocupantes, os pesquisadores entenderam que o monitoramento nas praias, apenas, já não era suficiente. Entregaram pranchetas para os pescadores e pediram que eles anotassem todo tipo de informação quando uma Toninha acidentalmente se enroscasse nas redes. “Queríamos saber em quais áreas elas eram mais capturadas, em que épocas, se eram fêmeas, machos, jovens, adultos…”, diz Danielle. “Constatamos diretamente nas embarcações que as capturas acidentais ocorrem, que os animais já chegam a bordo mortos e que os pescadores os devolvem para o mar – quando, então, encalham na praia”.
Todo esse conhecimento se transformou em argumentos. Em 2012, após várias rodadas de reuniões entre instituições de pesquisa, governo e setor pesqueiro, foi publicada a Instrução Normativa Interministerial MPA/MMA nº 12. Com ela, a pesca de emalhe no litoral Sul e Sudeste teve que se adequar a novas regras, com limitações nos tamanhos das redes e nas áreas onde elas poderiam ser jogadas. “Um dos objetivos dessa instrução normativa era diminuir o esforço pesqueiro e reduzir a mortalidade das Toninhas”, diz Danielle.
Cinco anos mais tarde, a FURG iniciou seu projeto junto ao FUNBIO para entender se a INI 12/2012 estava funcionando na porção sul do litoral gaúcho. E a melhor maneira de saber isso é acompanhando as taxas de mortalidade das Toninhas. Com uma parte dos recursos, os pesquisadores compraram uma caminhonete e turbinaram o monitoramento que é feito há décadas nas praias. “Antes a gente dependia do automóvel da universidade. Era bem complicado, porque às vezes ela quebrava, não tinha motorista disponível e não conseguíamos manter uma regularidade”, diz Danielle. “Agora temos muito mais autonomia”.
Outra parte da verba possibilitou que o monitoramento nas embarcações também fosse retomado. E desta vez, não eram os pescadores que fariam os registros: a cada 15 dias, um pesquisador treinado sobe a bordo das embarcações para acompanhar de perto as redes sendo lançadas ao mar. Além das anotações de dados biológicos e geográficos, as Toninhas capturadas são marcadas, para que se saiba se os indivíduos mortos na pesca estão encalhando na praia.
“É no monitoramento da pesca que a gente marca as Toninhas que encontra no monitoramento da praia. São duas atividades complementares, e estamos conseguindo levantar informações muito importantes”, explica Danielle. Os dados ainda estão sendo analisados, mas já se sabe que o cenário não é bom: “Esperávamos que a mortalidade das Toninhas diminuísse com a publicação da INI 12/2012. Mas o que a gente observa numa análise preliminar é que os números continuam semelhantes antes e depois da legislação”.
Apesar de o número de Toninhas encontradas na praia já ser alto, as investigações científicas mostram que somente cerca de 10% dos animais marcados nos barcos são encontrados encalhados. Ou seja, o número real de indivíduos mortos deve ser ainda maior. “Essas 300 Toninhas que registramos encalhadas podem representar apenas 11% das que morreram no mar, pois só uma pequena parcela delas chega à praia. Muitas acabam apodrecendo antes, afundando ou sendo comidas por tubarões”, diz.
O cenário mostra que, daqui para frente, algo novo terá de ser construído além da INI 12/2012. E é justamente esta fase que está começando. Quando os dados estiverem consolidados, os pesquisadores da FURG e de outras instituições de pesquisa parceiras pretendem se reunir com o setor pesqueiro e com o governo para, juntos, traçarem novos caminhos. “Espero que a gente consiga ter boas conversas nesses encontros, para começar a elaborar e testar novas medidas”, diz Danielle. “Tem que ser bom para a pesca, mas também para as Toninhas”.