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Crise climática ameaça vegetação única na Amazônia
Uma das linhas de pesquisa do programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro está voltada para as mudanças climáticas e entender os cenários futuros e seus impactos para a conservação. As alterações no clima podem comprometer de forma irreversível algum dos ecossistemas do planeta. Este é o caso dos tepuis, formações rochosas que se elevam como grandes montanhas tabulares no meio da Amazônia. Ambientes únicos e de formação extremamente antiga, estes tepuis estão associados a uma vegetação igualmente particular, que pode desaparecer com os efeitos da crise climática. Este alerta é feito pelo pesquisador Rafael Gomes, bolsista da edição de 2021 do Bolsas FUNBIO, em seu doutorado, ainda em andamento pelo Museu Paraense Emílio Goeldi.
A vegetação, conhecida como Florestas de Bonnetia, forma paisagens singulares no topo dessas montanhas amazônicas, a mais de 2 mil metros de altitude. “É uma flora totalmente diferente do que a gente encontra no resto da Amazônia”, conta Rafael, que estuda esses ecossistemas há 11 anos.
Essas florestas recebem esse nome justamente porque são dominadas por plantas do gênero Bonnetia. Na paisagem, elas se destacam por suas folhas tipicamente margeadas de vermelho, em contraste com o resto da vegetação. Adaptadas aos tepuis, estas plantas ocorrem em abundância e formam verdadeiras florestas vermelhas, muitas vezes compostas por uma única espécie de bonnetia.
Essa monodominância, entretanto, diz respeito apenas às outras plantas lenhosas (com madeira) porque por debaixo do tapete de bonnetias floresce uma grande diversidade de plantas herbáceas. “As Florestas de Bonnetia são a casa, o lar da maior diversidade de plantas nos tepuis”, resume o botânico.
O pesquisador ressalta que a ciência ainda sabe muito pouco sobre os tepuis brasileiros e que faltam estudos sobre a história evolutiva dessas montanhas e, em particular, dessa flora tão única, para entender como a vegetação pode se comportar com as mudanças climáticas que estão em curso.
Desvendar parte dessas perguntas é o objetivo da pesquisa de Rafael. Para conseguir essas respostas, o biólogo fez coletas das plantas em dois locais. No Amazonas, em um tepui na Serra do Aracá. E no Pará, onde foi atrás da única espécie de bonnetia que ocorre nas savanas amazônicas, em regiões baixas.
Desde junho o botânico está nos Estados Unidos, nos laboratórios do Jardim Botânico de Nova York, para trabalhar por um ano em análises laboratoriais das plantas de bonnetia, com apoio de uma bolsa do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. “É uma instituição muito importante para o meu estudo porque eles possuem muitas amostras de plantas desse grupo de Bonnetia, é a principal coleção de plantas dos tepuis”, explica Rafael.
No laboratório, o pesquisador está extraindo e sequenciando o DNA das plantas do gênero Bonnetia, tanto as coletadas por ele quanto as da coleção do herbário americano.
“O apoio do FUNBIO foi fundamental e foi um incentivo para mostrar pra mim mesmo como esse trabalho é interessante e o quanto que eu devo seguir com os esforços para compreender melhor o grupo e responder as questões que eu levantei. Além de me apoiar para realizar os campos nessas áreas remotas, de difícil acesso, que são muito caras para chegar”, compartilha o bolsista, que também recebeu o prêmio da Associação Internacional para Taxonomia de Plantas (IATP) para jovens pesquisadores.
Sua pesquisa representa uma verdadeira corrida da ciência e da conservação contra as mudanças climáticas. “Os principais efeitos que os estudos projetam das mudanças climáticas no Pantepui [região onde se concentram os tepuis] é a perda e a extinção de quase metade das espécies dessa região. E as Florestas de Bonnetia seriam impactadas. Há 28 espécies conhecidas de Bonnetia e oito delas seriam extintas com o aumento que a gente tem projetado de até 4°C nessa flora“, alerta.
Para garantir o futuro dessa diversidade única dos tepuis amazônicos é necessário não apenas garantir a conservação efetiva destes ambientes, ameaçados pelo avanço do garimpo ilegal na região, ressalta Rafael, mas também aprofundar as pesquisas. Conhecer para conservar. “Nós precisamos investir na conservação dessas plantas do alto dos tepuis que estão ameaçadas, conservá-las em bancos de sementes, em jardins botânicos, e precisamos de mais estudos para entender como conservar e aclimatar estas plantas, que vivem a 2 mil metros de altura, em jardins botânicos para que a gente também consiga fazer a conservação ex situ [fora do ambiente natural] dessas espécies”, completa.
Texto originalmente produzido pela jornalista Duda Menegassi para a newsletter “Em Campo” para divulgação do Programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro.