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Consolidação das Unidades de Conservação na Amazônia: desafios e avanços do Programa ARPA
A conservação da Amazônia tem sido um dos principais desafios para a gestão ambiental no Brasil. No centro desse esforço está o ARPA, que busca garantir a efetividade das Unidades de Conservação (UCs). No entanto, a consolidação dessas áreas enfrenta entraves significativos, como invasões, desmatamento e a necessidade de fortalecimento das estruturas de gestão. Para compreender melhor esse cenário, ouvimos especialistas envolvidos diretamente na gestão e monitoramento das UCs.
Desafios na gestão da Rebio Jaru
A Reserva Biológica (Rebio) Jaru, localizada em Rondônia, é um dos exemplos de Unidade de Conservação que está consolidada, mas que ainda assim enfrenta pressões constantes. De acordo com Patrícia Ribeiro, que atua na gestão da reserva, a unidade sofre com tentativas de invasão e atividades ilegais, como caça, pesca e extração de madeira.
“A Rebio Jaru não estaria no grau de consolidação que se encontra hoje se não fosse uma das unidades beneficiárias do Programa ARPA. O diferencial é que o gestor consegue executar os recursos com eficácia e de forma imediata no momento necessário e que uma demora poderia inviabilizar uma resposta rápida e eficiente para o problema”, afirma Patrícia.
Para combater essas ameaças, a gestão da reserva tem contado com o apoio de instituições como o Ministério Público Federal, Justiça Federal e as polícias Federal e Militar. “Temos realizado ações que resultam na desarticulação desses grupos e evitar invasões maiores”, destaca Patrícia. Além disso, sensibilizar as comunidades do entorno tem sido um dos desafios para garantir o reconhecimento da importância ambiental da reserva
A Rebio Jaru também se destaca pelo monitoramento da biodiversidade, sendo parte do Programa Nacional de Monitoramento da Biodiversidade (MONITORA), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O programa utiliza protocolos padronizados e técnicas de baixo custo, favorecendo a participação de comunitários e garantindo a coleta sistemática de dados para subsidiar decisões.
Segundo João Paulo, gestor da reserva, desde 2016 foram implantadas quatro estações amostrais terrestres para coleta de dados sobre borboletas frugívoras, aves cinegéticas, mamíferos terrestres de médio e grande porte e espécies arbóreas. No meio aquático, são monitorados habitat, odonatas (libélulas) e peixes de igarapés. “Em 2024, completamos 9 anos de coletas de dados ininterruptas, que serão utilizados para se acompanhar o grau de conservação da UC”, aponta o gestor.
O monitoramento contínuo de espécies emblemáticas como a onça-pintada (Panthera onca), o gato-do-mato (Leopardus tigrinus) e a ariranha (Pteronura brasiliensis), todas ameaçadas de extinção, tem sido vital para sobrevivência dessas espécies. Além disso, a Rebio Jaru abriga uma torre meteorológica de 64 metros do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), fornecendo dados essenciais sobre a interação entre a floresta e o clima global.
Estudos realizados na reserva já foram publicados em revistas científicas nacionais e internacionais, reforçando sua importância para a pesquisa ambiental e a formulação de políticas de conservação.
O panorama das UCs no Programa ARPA
A analista ambiental Renata Gatti, do Ministério do Meio Ambiente, destaca que o desafio de consolidação varia conforme o grau de apoio recebido pelas UCs. As UCs em grau II enfrentam desafios mais complexos, principalmente devido ao maior número de Marcos Referenciais (MRs) e a exigência de atingir metas simultâneas em todos esses MRs. “Atualmente, 94% das UCs que recebem apoio em grau I estão consolidadas ou em nível alto de consolidação, enquanto para as UCs em grau II, apenas 54% se encontram nesses estágios”, explicou. Esse quadro revela a necessidade de mais atenção e esforços conjuntos das diversas instâncias envolvidas no processo de consolidação.
Além disso, os maiores desafios para as UCs em grau II estão diretamente relacionados à implementação de Marcos Referenciais de Demarcação e Pesquisa. Gatti destacou que, “apenas 4 UCs encontram-se consolidadas em grau II, e esse resultado não tem sido alterado desde 2019”. Esse cenário aponta para a urgência de novas estratégias para enfrentar as dificuldades e avançar na implementação das metas de consolidação.
Outros desafios incluem questões de contexto que extrapolam as diretrizes do ARPA, como processos de revisão de limites das Unidades de Conservação. “A disponibilidade e manutenção de equipes gestoras suficientes para uma implementação adequada das UCs é um desafio recorrente”, afirmou Gatti. Ela também apontou que a presença de equipes capacitadas é crucial para que as metas de consolidação sejam atingidas de maneira eficaz.
Renata Gatti também abordou a importância dos Contratos de Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) e dos Termos de Compromisso (TC) nas UCs em grau II. Ambos os instrumentos são fundamentais para garantir uma gestão eficiente e sustentável das UCs. “O Termo de Compromisso é um instrumento que busca compatibilizar a implementação da UC com a presença de comunidades tradicionais. Ele regula o uso de recursos e busca soluções para conflitos de ocupação”, explicou. Já o CDRU, utilizado em UCs de uso sustentável, permite que as populações locais façam uso do território de maneira regulamentada, promovendo a conservação por meio do envolvimento das comunidades.
Essas medidas são essenciais para aumentar a segurança jurídica das comunidades residentes, além de facilitar a implementação de práticas sustentáveis de manejo dos recursos naturais. “Essas ações também ajudam a promover o acesso a outras políticas públicas essenciais para o alcance dos objetivos das UCs”, ressaltou Gatti.
Monitoramento da biodiversidade
O monitoramento da biodiversidade é um ponto crucial no acompanhamento da efetividade das UCs, sendo uma atividade presente tanto no grau I quanto no grau II. Gatti destacou o avanço do Programa Monitora, que é conduzido pelo ICMBio e conta com o apoio do ARPA. “Hoje, o programa é executado em quase 100% das UCs federais e em muitas UCs estaduais, utilizando técnicas simples e de baixo custo, e contando com a participação ativa de atores locais”, afirmou. O monitoramento contínuo e a coleta sistemática de dados são fundamentais para avaliar a efetividade de gestão e o estado de conservação das unidades.
Contudo, Gatti também apontou que o grande desafio atual é a automatização e sistematização das análises dos resultados das séries históricas, o que é fundamental para o aprimoramento do programa. A continuidade desse processo é considerada um dos maiores sucessos do Programa ARPA, principalmente pelo impacto direto na gestão das UCs.
O Programa ARPA possui um plano de consolidação que visa alcançar a consolidação total de todas as UCs até 2026. No entanto, Gatti adverte que, de acordo com as avaliações anuais realizadas por meio da Ferramenta de Avaliação de Unidades de Conservação (FAUC), o prazo estabelecido pode não ser atingido para todas as UCs. “A Unidade de Coordenação do Programa promoverá uma revisão estratégica do plano de consolidação, ajustando os prazos para o cumprimento das metas de cada grau”, anunciou. O objetivo é garantir que as UCs possam cumprir integralmente suas funções e contar com suporte adequado para enfrentar desafios emergentes.
O ARPA – Áreas Protegidas da Amazônia é um projeto do Governo do Brasil, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e tem o Funbio como gestor e executor financeiro. É financiado com recursos de doadores internacionais e nacionais, entre eles o governo da Alemanha por meio do Banco de Desenvolvimento da Alemanha (KfW), o Global Environment Facility (GEF) por meio do Banco Mundial, a Fundação Gordon and Betty Moore, a AngloAmerican e o WWF.