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A pesquisa continua: as carreiras após o apoio do programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro
Fazer ciência no Brasil nem sempre é fácil. Parte do objetivo do programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro é apoiar estes cientistas, muitos deles no começo de suas carreiras, para que consigam ir a campo, aprofundem suas pesquisas, façam conexões e ampliem o alcance do seu trabalho. O objetivo, aliás, se estende para além do fim das bolsas em si. A missão deste programa, que desde este ano conta com a parceria do Programa Gustavo Fonseca de Jovens Lideranças em Conservação, do GEF, visa ao sucesso destes profissionais no mundo da ciência e da conservação da natureza.
Um dos exemplos é a bióloga marinha Amana Garrido, que realizou seu doutorado na UFRJ com financiamento do Bolsas FUNBIO. Apoiada na primeira edição do programa, em 2018, a pesquisadora dedicou-se a entender como o conjunto de um grupo de microalgas simbiontes, que vivem nos tecidos do coral-de-fogo (Millepora alcicornis) e são essenciais para a sobrevivência dos recifes, responde ao processo de branqueamento provocado pelo estresse térmico e os fatores que podem resultar na mortalidade ou na recuperação da colônia.
O apoio do Bolsas FUNBIO permitiu que ela fosse a campo e acompanhasse de perto todo o processo de branqueamento em dois locais, Arraial do Cabo e Búzios, no litoral do estado do Rio de Janeiro, com amostragens semanais dos corais. “Com isso a gente conseguiu um trabalho muito completo, mostrando o quanto os corais da região respondem relativamente bem ao branqueamento, e como as microalgas simbiontes são alteradas ao longo do processo”, conta Amana.
Esses dados permitiram o primeiro monitoramento completo, detalhado e contínuo de simbiontes de corais durante um processo de branqueamento no Brasil. E o primeiro no mundo com amostragens tão próximas (semanais).
Além disso, “os resultados têm nos ajudado a entender como os corais daqui lidam com as mudanças climáticas e podem contribuir pros planos de manejo das unidades de conservação envolvidas, a Reserva Extrativista de Arraial do Cabo e o Parque dos Corais, em Búzios”, completa.
Atualmente, Amana está no pós-doutorado no Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (CEBIMar-USP) e é bolsista da FAPESP. Segue trabalhando com simbiontes de corais e os efeitos das mudanças climáticas sobre esses organismos, mas em maior escala, em busca das diferenças latitudinais ao longo do litoral brasileiro. Ela também é pesquisadora associada da rede de pesquisa do Projeto Coral Vivo, que apoia parte das pesquisas de campo e experimentos desenvolvidos pelo CEBIMAR.
E a pesquisa que teve início com o apoio do Bolsas FUNBIO também continua. “A amostragem que fizemos está sendo utilizada em outros projetos – uma iniciação científica e um mestrado – que em colaboração com os nossos resultados estão avaliando as respostas fisiológicas dos corais e as mudanças no microbioma durante o mesmo processo de branqueamento”, conta Amana. “Atualmente são ao menos 3 instituições (UFRJ, USP e FURG) trabalhando nesse mesmo projeto”, acrescenta.
Os mares brasileiros têm inspirado pesquisas importantes e inovadoras. Dos corais aos tubarões, o pesquisador Paulo Roberto Santos, apoiado pelo Bolsas FUNBIO em 2019 durante seu doutorado na UNESP, é outro exemplo de um cientista apaixonado que levou seu trabalho adiante. Sua pesquisa teve como objetivo dar início ao manejo de tubarões e raias no litoral sul de São Paulo, junto com a comunidade pesqueira. E levantar mais dados sobre as populações desses animais, ainda pouco monitorados.
“A ideia de colocar a comunidade pesqueira nesse processo era para reduzir os conflitos entre pesquisadores e pescadores e construir uma estrutura para um trabalho de longo prazo”, conta o biólogo que, graças à bolsa, foi a campo mais de 20 vezes, o que foi fundamental para aproximá-lo da comunidade. “E me permitiu coletar, sem sombra de dúvidas, os dados pesqueiros de tubarões e raias mais refinados da história do país”, reforça.
Ao todo foram documentadas mais de mil viagens de pesca, 15.298 animais de 62 espécies, das quais 36 novos registros para a região. O trabalho rendeu até mesmo a descoberta de espécies que não eram registradas há mais de 30 anos na área, como o tubarão-lixa (Ginglymostoma cirratum) e o grande-tubarão-martelo (Sphyrna mokarran). Infelizmente, o projeto também registrou grandes volumes de captura de espécies ameaçadas. Todos esses dados foram compartilhados com o ICMBio, dentro do Plano de Ação Nacional (PAN) para Conservação dos Tubarões e Raias, e o CEPSUL – Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Sudeste e Sul.
“O resultado mais claro de todo o projeto foi mostrar ao país que é possível monitorar esses animais sem conflitos com os locais e com alta qualidade taxonômica e biológica, de forma geral”, resume o pesquisador.
Seu trabalho junto aos pescadores reforçou a contribuição que o conhecimento dos locais pode trazer para o reconhecimento de espécies e coleta de dados para conservação. “A bolsa do FUNBIO transformou meu projeto, de um conjunto de papéis que eu deixaria na universidade, para um grande movimento que ficou na comunidade”, completa.
Antes mesmo de concluir sua pesquisa, Paulo recebeu propostas para executar ações extras, não previstas no escopo inicial do projeto. Após a conclusão do doutorado, ele passou a avançar nestas outras frentes de trabalho. As ações incluem a construção de um monitoramento específico da pesca amadora e a participação em um projeto internacional que visa descrever o comércio mundial de carne de tubarões (tanto legal quanto ilegal), além de um projeto para coletar dados sobre tubarões – executado com recursos de uma chamada e financiado pelo FUNBIO, em 2021.
Atualmente, o biólogo se prepara para pleitear uma bolsa de Pós-Doutorado e conseguir recursos para dar continuidade às ações que começaram em 2019. Um dos seus objetivos é aprofundar as descobertas feitas durante o doutorado e estudar melhor a população de tubarões-lixa que foi redescoberta no sul de São Paulo após mais de 50 anos sem registros. “Ainda precisamos descobrir quantos animais existem, onde estão vivendo e quais as chances dessa população se manter a longo prazo”, aponta Paulo, de olho no futuro da pesquisa e da conservação dos tubarões.
Texto originalmente produzido pela jornalista Duda Menegassi para a newsletter “Em Campo” para divulgação do Programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro.