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Estudo identifica acumulação de mercúrio no rio Araguaia
O mercúrio é um elemento químico disponível naturalmente no ambiente, porém atividades humanas como a mineração contribuem para a concentração preocupante da substância na natureza. Nas águas do rio Araguaia, que percorrem mais de 2 mil quilômetros na região central do Brasil, a substância se acumula silenciosamente em peixes, sedimentos e plantas aquáticas, e pode chegar ao prato das comunidades ribeirinhas que dependem do curso d’água para se alimentar. Na região do Médio Araguaia, entretanto, o principal vetor para o acúmulo de mercúrio no ambiente aquático não é o garimpo, mas sim o desmatamento.
“Apesar da sua importância, a bacia do Araguaia vem passando por um forte processo de desmatamento desde a década de 70. Na Amazônia, outros estudos já indicaram que o desmatamento pode favorecer o transporte do mercúrio que antes estava ligado às partículas do solo, para os ecossistemas aquáticos”, explica o pesquisador Lucas Cabrera.
Em 2021, ele recebeu o apoio do programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro, para realizar sua pesquisa de mestrado na Universidade de Brasília (UnB), concluída em 2023, para fazer uma avaliação em larga escala da bioacumulação de mercúrio em ambientes aquáticos e terrestres na planície de inundação do Araguaia.
Ao todo, Lucas coletou amostras em 100 lagos conectados ao rio Araguaia e seis tributários, nos estados de Goiás, Mato Grosso e Tocantins, até a divisa com o Pará – onde deságua o rio. Na parte terrestre, foram feitas coletas em 15 áreas nas margens dos lagos conectados ao rio Araguaia entre Mato Grosso e Goiás.
O projeto foi o primeiro em grande escala espacial a avaliar a presença de mercúrio em múltiplos grupos biológicos. “Os resultados desse projeto de pesquisa possibilitaram a identificação de fatores que influenciam a distribuição do mercúrio, as condições ambientais, as alterações no uso do solo, como as pastagens por exemplo. E também permitiu a determinação de áreas prioritárias para o acúmulo de mercúrio, a identificação de grupos biológicos de maior potencial de bioacumulação e no caso das plantas aquáticas também, as com maior potencial de bioindicação de mercúrio”, detalha Lucas.
O pesquisador fez coletas de água, sedimentos, plantas aquáticas e peixes, na parte aquática; e amostras de solo, vegetação e invertebrados na parte terrestre.
Com os dados em mãos, o pesquisador pôde alertar as comunidades ribeirinhas sobre quais espécies elas deveriam tentar evitar, como o sardinha-gato (Agoniates halecinus) e a dourada (Pellona castelnaeana), peixes predadores cujas amostras apresentaram teores de mercúrio acima dos limites seguros estabelecidos pela ANVISA.
“Isso gerou uma nota informativa visando o consumo seguro do pescado pela população ribeirinha, evidenciando as espécies que, se possível, devem ser evitadas, e as que podem ser consumidas com maior segurança”, diz Lucas, que publicou ainda outros quatro artigos com os dados do projeto.
Além de informar a população local e científica, os dados também podem contribuir para formulação de políticas públicas em escala regional, pontua o bolsista.
O pesquisador explica que o programa Bolsas FUNBIO foi fundamental para a execução do projeto. “Tanto para coleta de amostras em campo no Araguaia como depois para determinação de mercúrio nas amostras em Porto Velho, Rondônia, onde eu tive oportunidade de trabalhar no Laboratório de Biogeoquímica Ambiental da Universidade Federal de Rondônia, que já tem 30 anos e é um laboratório de referência em mercúrio no Brasil”, destaca.
E a parceria com a universidade rondonense não foi a única. “Além do recurso financeiro, participar do programa possibilitou que eu conhecesse e fizesse parceria com outros pesquisadores que estudam o ciclo do mercúrio no Brasil, no Cerrado, na Amazônia, e isso vai contribuir pro avanço dos estudos no Araguaia”, completa.
Na próxima etapa, o grupo de pesquisadores da UnB pretende ampliar a pesquisa para tentar determinar os padrões de bioacumulação entre os períodos de cheia e de seca. A pesquisa conta com apoio do programa Araguaia Vivo 2030, da Tropical Water Research Alliance (TWRA). “Assim a gente vai poder ter um diagnóstico melhor da concentração de mercúrio nos peixes na bacia hidrográfica”, afirma o pesquisador.