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Os caminhos para restaurar o Pantanal
Uma vez mais, o Pantanal está em chamas. Apenas nos sete primeiros meses do ano, o bioma já perdeu mais de 760 mil hectares para o fogo. Diante da pior seca em 70 anos e uma situação de emergência ambiental, a fumaça parece que não vai sumir tão cedo do horizonte pantaneiro. Com o agravante da crise climática global, mais do que nunca é necessário pensar em ações e estratégias para recuperar o Pantanal e garantir o futuro da maior planície alagável do mundo. Uma das palavras de ordem é, portanto, restaurar. E a bióloga Letícia Koutchin Reis, doutoranda em Ecologia e Conservação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), aponta os caminhos possíveis.
Letícia foi uma das apoiadas em 2021 pelo programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro para desenvolver uma pesquisa sobre a implementação de diferentes técnicas de restauração socioecológica em Terras Indígenas no Pantanal e em áreas de Cerrado no entorno. “Nosso objetivo principal foi entender a dinâmica da restauração no Pantanal e a cadeia de restauração”, resume.
A pesquisadora explica que a restauração socioecológica é uma abordagem que integra tanto aspectos ecológicos quanto sociais na recuperação de ecossistemas. “Ao contrário da restauração ecológica tradicional, que foca principalmente na recuperação de funções e processos ecológicos, a restauração socioecológica reconhece que as pessoas e a população são parte integrante dos ecossistemas e que suas necessidades, valores e práticas devem ser considerados no processo de restauração”, detalha Letícia.
Adicionar o componente social nesta equação é crucial, reforça, pois garante o envolvimento e a participação comunitária, o que pode aumentar o sucesso a longo prazo dos projetos. Além disso, traz o valioso conhecimento tradicional e local das comunidades sobre espécies nativas, práticas de manejo sustentável e históricos de uso da terra.
“Integrar esse conhecimento pode enriquecer os projetos de restauração e torná-los mais eficazes”, afirma a doutoranda.
Letícia se dedica a estudar a restauração no Pantanal desde o seu mestrado em botânica, onde experimentou uma técnica chamada “transplante de plântulas”, que consiste na transferência de plântulas (estágio inicial da planta) já adaptadas às condições locais, para novos ambientes que estão em processo de restauração ecológica. A técnica – que ela descreve em artigo publicado em 2021 – pode ser vantajosa em ambientes com inundações periódicas como o Pantanal.
Em seu doutorado, parte do trabalho é justamente aprofundar a aplicação de diferentes técnicas de restauração no bioma, com o objetivo de embasar tomadores de decisão sobre os melhores métodos de recuperar a vegetação em condições como inundações, secas extremas e incêndios.
A pesquisa levou Letícia até a Terra Indígena Cachoeirinha, onde vive o povo Terena, a partir de um convite do Instituto SOS Pantanal e o movimento “O Pantanal Chama”, que visava ações emergenciais de recuperação e prevenção de novos incêndios no Pantanal após as queimadas de 2020.
“Em parceria com a UFMS e a FUNAI, fomos sugeridos a algumas comunidades que haviam solicitado apoio na recuperação de nascentes dentro de seus territórios. A TI Cachoeirinha foi identificada como uma das comunidades mais vulneráveis ambientalmente, o que nos motivou a avançar com o projeto naquela área”, lembra a bióloga.
O projeto começou em 2021 em uma área de aproximadamente 2,5 hectares que abriga três nascentes. Os primeiros passos foram o cercamento da área, a correção e a adubação do solo. Após essa etapa inicial, Letícia trabalhou com a comunidade na produção de mudas e coletas de sementes para os plantios experimentais ao longo de um ano.
Com apoio dos indígenas durante todo o processo, foram implementadas cinco técnicas experimentais de restauração: plantio de mudas convencionais produzidas pela comunidade, transplante de plântulas, semeadura direta, sistemas agroflorestais e regeneração natural assistida.
A pesquisa está agora na fase de monitoramento, mas já é possível identificar alguns resultados, com um melhor desempenho das técnicas de plantio de mudas e o transplante de plântulas, que prosperaram apesar da falta de chuvas enfrentada no bioma. “Essas técnicas podem ser priorizadas em áreas afetadas pelos incêndios, aumentando a eficiência dos esforços de restauração”, aponta.
“Os resultados da minha pesquisa oferecem insights valiosos para apoiar a restauração do Pantanal, especialmente após os incêndios recorrentes, fornecendo um conjunto de ferramentas e estratégias que podem ser aplicadas para mitigar os danos e promover a recuperação do bioma. A integração de técnicas eficientes, a adaptação às condições climáticas, o envolvimento da comunidade e o monitoramento contínuo são elementos-chave para o sucesso da restauração no Pantanal”, completa a doutoranda.
A pesquisadora reforça ainda que os recursos do Bolsas FUNBIO foram fundamentais para permitir suas idas à comunidade, assim como adquirir equipamentos e contratar pessoas para realizar a manutenção e monitoramento das áreas experimentais do projeto. “Este apoio foi essencial para o desenvolvimento do projeto e para a integração do conhecimento científico com as práticas culturais locais, contribuindo significativamente para a recuperação e preservação do bioma”, afirma Letícia.