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A descoberta dos tubarões no Rio de Janeiro
Foto: Natália Roos
“Tubarão no Rio de Janeiro?”
É com cara de espanto – e descrença – que a maioria dos surfistas encara a pesquisadora Mariana Batha Alonso quando ela senta sobre sua prancha e começa a falar da presença dos animais nas praias da cidade. A escassez geral de dados sobre o assunto faz com que população e ciência quase ignorem a existência deles nas movimentadas águas cariocas. Mas em breve o cenário deve mudar: desde janeiro, quatro iniciativas científicas estão produzindo informações sobre as espécies ameaçadas ou deficientes de dados, uma novidade do Projeto de Apoio à Pesquisa Marinha e Pesqueira.
“Este é o primeiro financiamento exclusivamente voltado para tubarões que conheci no Brasil. E chegou numa boa hora”, comemora a bióloga marinha – e surfista nas horas vagas – Mariana Alonso.
Segundo o ICMBio, a sobrepesca é a principal responsável pelo declínio de 80% na abundância de espécies de elasmobrânquios – os peixes que têm esqueleto cartilaginoso, como tubarões e raias. Mariana já observou de perto este processo: na última década, quando estudava a contaminação de golfinhos em Santos (SP), via toneladas de tubarões sendo desembarcados. “Quando eu ia ao entreposto pesqueiro ficava chocada: era como um Maracanã inteiro de carcaça de tubarões”, conta.
Foi ali que ela começou a se interessar pelos animais. Ao se mudar para o Rio de Janeiro em 2012, integrou a equipe do Laboratório de Micropoluentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e deu de cara com um vazio de informações. “Quase não há estudos com tubarões no estado”, constatou. Mas não esmoreceu. Com apoio de um aluno de doutorado que diariamente coletava dados nas colônias de pescadores, pediu que ele incluísse os tubarões em sua lista. E desde 2017 não parou mais de receber amostras que chegavam das famosas praias cariocas.
“Começou a vir muito mais animais do que eu esperava, toda semana tinha algo novo. Vinham da Barra da Tijuca, Recreio, Grumari… Já recebemos amostras até de Copacabana. E passamos a entender melhor quais espécies estão por aqui. O tubarão martelo, por exemplo, é disparado o mais encontrado: representa cerca de 90% de tudo o que recebemos até hoje”, conta.
A súbita abundância de material sobre os tubarões acabou conquistando espaço no laboratório da UFRJ, entre pesquisadores e estudantes que frequentavam o local. Mas, faltava um detalhe: “De repente estávamos cheios de alunos, cheios de vontade. Mas sem dinheiro. Praticamente trabalhávamos de graça”, conta Mariana. Foi quando o Projeto de Apoio à Pesquisa Marinha e Pesqueira abriu o edital com foco nos elasmobrânquios ameaçados ou com deficiência de dados. “Caiu como uma luva”.
Foi dada a largada
O time que já ganhava corpo na UFRJ cresceu de vez. No subprojeto Ecoshark, liderado por Mariana, participam da empreitada os Institutos de Biofísica e de Biologia da UFRJ, o Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), a ONG Instituto Boto-Cinza e cinco colônias e associações de pesca do Rio. O objetivo é levantar o máximo de dados sobre a ecologia e a conservação dos tubarões que ocorrem na costa fluminense, e sensibilizar as comunidades pesqueiras.
Para isso, uma série de atividades inéditas está planejada daqui até 2024. Uma delas é o monitoramento por satélite: seis rastreadores serão colocados em tubarões para se descobrir mais detalhes sobre a movimentação e a distribuição das populações. “Sabemos pelas amostras que eles estão no Rio de Janeiro durante o verão e o inverno. Mas depois disso, para onde vão? Estão na costa, em alto mar? No fundo, no raso? Ninguém sabe”, diz.
A equipe também pretende descobrir como anda a saúde dos animais em relação a contaminantes orgânicos, como filtros solares, cosméticos, medicamentos e outras substâncias que vão parar no mar. A análise será feita não só pelo tecido dos indivíduos, mas também por sua dieta. “Não adianta só olhar para a pesca, precisamos estudar todas as ameaças que envolvem as espécies. E uma delas é a poluição”, explica a bióloga.
Enquanto isso, o trabalho junto aos pescadores segue a todo vapor: seja monitorando as capturas, para se ter um melhor diagnóstico do problema, mas também conversando com os trabalhadores para sensibilizá-los sobre os riscos que as espécies estão correndo. Pelo menos uma cartilha e uma série de minidocumentários – que será produzida por um jornalista do New York Times – devem sair do forno nos próximos meses.
A chuva de dados e informações que está prestes a nascer promete uma nova página na história dos mares cariocas. “Existem tubarões no Rio de Janeiro, e eles estão mais perto do que você imagina”, garante Mariana.