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Bolsista modelo
Já fazia sete anos que uma orca não encalhava nas areias de Rio Grande. Em seu primeiro dia de monitoramento de praia, Jéssica San Martins Fonseca se deparou com o imenso cetáceo. “Foi uma experiência bem intensa. Acho que foi sorte de principiante”, brinca.
Com a graduação em Biologia concluída em fevereiro deste ano, a gaúcha de 23 anos já não é mais uma estudante inexperiente. Mestranda pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG), ela foi subindo os degraus acadêmicos impulsionada por duas bolsas de pesquisa que recebeu dos Projetos de Apoio à Pesquisa Marinha e Pesqueira e de Conservação da Toninha. “Me sinto privilegiada com essas oportunidades”.
Hoje, Jéssica não se vê fazendo outra coisa da vida. Mas na época do vestibular ainda não tinha essa clareza. Na dúvida entre letras, eletrotécnica e arquitetura, decidiu se inscrever para biologia. “Se eu não gostasse, tentaria outra coisa”, diz. Mas rapidamente percebeu que o alvo foi certeiro. “Me apaixonei, me encontrei no curso. Estou muito feliz na minha profissão”.
Foi este mesmo ânimo que, em 2017, fez Jéssica arregaçar as mangas e começar a apoiar voluntariamente o projeto Multisar, que faz uma série de pesquisas sobre a sardinha-verdadeira. Logo surgiu a oportunidade de uma bolsa, ela se inscreveu e teve sua primeira remuneração na área da Biologia.
“Ali foi o início de um contato mais profissional, quando saí do estágio voluntário e passei a receber uma bolsa para trabalhar com pesquisa”, recorda. “Foi também quando eu tive meu primeiro resultado científico, quando comecei a produzir conhecimento”, diz orgulhosa.
E não foi pouca coisa. Na pesquisa, Jéssica buscou identificar se na área de distribuição da sardinha-verdadeira havia alguma diferenciação genética na sua população. Descobriu que sim: “Até então tudo era considerado como uma mesma população genética. No meu trabalho, constatamos que há uma estruturação, ou seja, que a população de sardinha-verdadeira em Itajaí (SC) é diferente daquelas que ocorrem no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul”.
A descoberta é um importante instrumento para que o manejo da espécie seja feito de forma adequada. “Se eu sei que aquela população é distinta das demais, eu não posso concentrar ali todos os esforços pesqueiros. Pois se ela for extinta, a diversidade e a saúde genética da espécie diminuem como um todo, reduzindo também as possibilidades de sobrevivência frente as alterações ambientais”, explica.
A bolsa do Multisar foi encerrada em junho de 2018, mas Jéssica não queria saber de descanso no seu último ano de faculdade. No mês seguinte, ficou sabendo de outro processo seletivo, desta vez para trabalhar em um dos subprojetos do Projeto de Conservação da Toninha. Candidatou-se e foi aprovada.
Enquanto transformava a pesquisa com as sardinhas em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), a gaúcha mergulhava ao mesmo tempo no mundo dos cetáceos. “Foi um período cansativo conciliar o TCC com o trabalho, mas foi muito recompensador pois entrei em um novo universo e tive cada vez mais aprendizados”, afirma.
Com as toninhas, o objetivo da pesquisa é analisar a estimativa de idade e maturidade sexual dos indivíduos pescados acidentalmente pela frota comercial. Jéssica explica que já existe um mapeamento das regiões com maior risco de captura das toninhas. Seu trabalho é entender se há concentração de fêmeas sexualmente maduras nessas áreas.
“Esses indivíduos têm um maior valor biológico para a espécie, pois são eles que vão dar à luz novas toninhas. Se existem locais com maior densidade dessas fêmeas, no momento de negociação com o setor pesqueiro essas áreas devem ser prioritárias para proteção”, explica.
Se as sardinhas-verdadeiras viraram o TCC da graduação de Jéssica, as toninhas abriram novas possibilidades para ela na academia. “Essa bolsa foi minha porta para o mestrado”, afirma Jéssica, que ainda vai encarar mais de um ano de pesquisas com o golfinho mais ameaçado do Brasil. E muitos outros anos na Biologia.
“As coisas foram acontecendo e se encaixando de forma natural. Espero continuar na carreira científica dando meu melhor e trabalhando feliz. E que eu possa seguir contribuindo para esses animais, para o meio ambiente e para as comunidades, retribuindo tudo o que aprendi nesses anos todos”.
Produzido pelo jornalista Bernardo Camara para a Newsletter Linhas do Mar