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Mulheres na conservação: conheça Andréia Martins, da Associação Mico-Leão-Dourado
Foto: Sally Foster
Os dias da bióloga Andréia Martins começam às 5h30. É quando desperta, cuida das plantas já acompanhada pelo vira-lata Nino, toma café e, a partir daí, mergulha no universo único dos micos-leões-dourados. Redige diários, planeja rotas, populações que serão visitadas. Até que, às 7h30, passa o carro que a leva a campo. Há 38 anos ela se dedica à espécie, endêmica da região de Silva Jardim, no estado do Rio de Janeiro, e que se transformou num caso de sucesso de conservação. Andréia lidera uma equipe de cinco pessoas. Todos homens.
“Eu acho que tenho sorte porque nunca enfrentei barreiras de trabalho por ser mulher e negra. Na equipe, tem também muita confiança, nos conhecemos desde a infância, somos amigos. Eu digo sempre que peço. Mas, se não fizerem, aviso que mando. E, se fizerem errado, eu brinco que vou contar para as mulheres deles”, diz Andréia, que, de uma carreira inicialmente imaginada no magistério, se voltou para a biologia.
“Da primeira vez que entrei no mato para ver os micos, me senti em casa e disse: é isso que eu quero!” Essa primeira vez foi na adolescência, nos anos 1980. O mato fez a chave virar para a biologia, que a levou a ocupar, em 1989, a coordenação de campo do Programa de Metapopulação da Associação Mico-Leão-Dourado (AMLD), que viu nascer e onde até hoje trabalha. Chances de migrar para a academia houve mais de uma. Andréia apoia pesquisadores de todo o mundo. Mas a paixão a fez optar pelo campo em Silva Jardim. E permitiu que aprendesse a reproduzir vocalizações dos primatas:
“É uma vocalização longa, para saber se há outros grupos na área”, conta. “Eles respondem, às vezes vêm em minha direção”.
A convivência gerou uma familiaridade única com os animais:
“Não existe outra pessoa com tanto conhecimento e vivência de campo com micos-leões-dourados na natureza. Nenhum cientista ilustre”, diz Luís Paulo Ferraz, secretário executivo da AMLD.
Andréia nasceu em Silva Jardim, onde cresceu “brincando no mato ao lado de casa”. Por lá, contudo, não havia micos-leões-dourados, que ela só conheceu numa aula: a turma desconhecia o ameaçado vizinho e, para conseguir fotos, foi necessário um “truque”: fotografar uma foto e usar a reprodução para ilustrar um trabalho. Era uma época em que a população se aproximava da extinção.
Quase quatro décadas depois, ela brinca que já acorda cansada de tanto trabalhar dormindo: seus sonhos são pontuados pelos primatas. Mais de uma vez, sonhou que, em determinado grupo, nasciam filhotinhos. E, no dia seguinte, em campo, constatava que o sonho era verdade:
“Eu digo que é meu sétimo sentido, porque o sexto já gastei”, ri Andréia, que relembra do mico do coração: Micoeca. Um macho resgatado do comércio legal e solto em Silva Jardim. E que adotou Andréia em seu grupo:
“Havia uma fêmea de outro grupo chamada Ritinha. Ela se acostumara a homens e vivia pulando em nossos ombros. Isso não era bom e nós a afastávamos. Rejeitada, ela passou a nos atacar. E, a cada ataque, lá vinha Micoeca e se colocava entre mim e Ritinha, como um escudo protetor.”
Valente, Micoeca terminou os dias num abrigo, após uma briga violenta com um macaco-prego, que provocou ferimentos incapacitantes.
Pergunto se, após tanto tempo, ela está cansada de ver micos. Depois de um breve silêncio, em voz alta e sorridente, Andréia responde: “É ruim, heim! Até férias é difícil tirar. Eu imagino um futuro em que a população deles será viável e as futuras gerações terão a oportunidade de conhecê-los. Sou otimista”.